diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

domingo, 18 de outubro de 2020

Cronos Cruel

 O Tempo é o mais cruel dos deuses.

Ele te corrói o corpo.

Destrói o rosto.

Empalidece a tez.

Enbranquece os cabelos, quando não os leva embora.

O Tempo te priva dos teus.

Carrega para longe os entes.

Faz sumir as lembranças.

Esmaece as imagens.

O Tempo é sempre assim.

E anda sempre em uma única direção.

O Tempo te leva veloz.

Te atrasa também.

Ele é implacável.

Incansável.

O Tempo é.


terça-feira, 7 de julho de 2020

Coleção

Eu sempre tive medo de envelhecer.
Não temia por mim, pela decadência do meu corpo.
Me amedrontava a passagem do tempo por saber que rumávamos todos para o fim.
Tinha medo pois sabia que se continuasse deixaria muitos para trás.
O horror era de pelo caminho perder os meus, os entes.
Eu tinha medo pelo envelhecimento dos outros.
Dos que eu amava e que tinha certeza que eu perderia.
A vida é assim, dizam-me.
Tudo tem um fim. Prepara-se.
Nunca estamos de fato preparados.
Ao longo dos anos fui me dando conta que a vida é isso, vamos andando e colecionando saudades.
Um cheiro que não se sente mais.
Uma voz que não se ouve mais.
Um rosto que já não se pode acariciar.
O colo em que não podemos mais deitar.
A cada novo passo a coleção vai aumentando.
Até um dia em que você vira parte de alguma coleção.

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Trem passageiro

Passa.
De ano em ano.
Tão igual.
Diferente também.
O nome é o mesmo.
O teu sorriso é mais bonito.
Teu cheiro é doce.
Teu corpo macio. De pelos delicados.
Emaranhados os dois.
Numa cama furtiva.
Nossas pernas dançam.
Teu jeito manso, delicado.
Rapidamente nos vemos.
Intensamente vivemos.
Te vais.
Eu fico.
Dentro de um ano nos veremos outra vez.
Será tudo igual?
Sei que não seremos mais os mesmos.
Menos cabelos, mais pelos brancos.
Não temos o privilégio de vermo-nos envelhecer diariamente.
Quando nossos olhos se reencontrarem tomaremos um susto.
Rapidamente notaremos que já não somos como há um ano atrás.
Que muito chão se passou entre nós.
Os beijos, os carinhos, o desejo, estes permanecerão.
Meu trem lindo.
Trem que segue para as Minas.
Eu estarei cá, no porto.
Atracado como um velho navio, cansado de guerra.
Em pouco menos de um ano teus trilhos chegarão novamente ao porto.
E tudo será festa.
Mesmo que tua parada seja ligeira.
O sol iluminará nossas mãos dadas.
E mais uma vez seremos só nós dois.
Vai, trem.
Saibas que quando voltares estarei de braços abertos como o mar para te receber.