diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

quinta-feira, 29 de maio de 2014

1971

Devaneio-me, inteiro.
Corpo despetalado no sombrio de becos nas sextas-feiras de outubro.
Pés, passos e silêncio.
Silencio e escuto todo o barulho das noites de domingos antigos.
Refaço-me em segundos.
E o meu corpo já reerguido está outra vez transcendentemente iluminado.
Poucas luzes onde vivo.
Na arquibancada do meu coração seu lugar cativo está guardado.
Eis o que ainda há no mundo.
O que eu não desfiz, não pude refazer, nem sei se um dia poderei.
Quando você não me ouvir.
Eu não grito. Guardo o que há no grito.
E nele estão contidas todas as partes de mim, do meu já des(ref)eito body.
O que há no frio de um cadáver?
A lua ainda está lá fora, da minha janela posso vê-la.
Baby, já nem sei.
Não quero tampouco saber. Tudo que eu sei estava escrito num livro.
Eu que nem sei ler.
O Rio é o mais bonito. E São Paulo eu prefiro.
Ah, que não possa chegar nem ao Belo, Horizonte de um panorama visto de lugar nenhum.
Calça as ruas de mim. Pedras velhas, portuguesas e sabão.
As chuvas que um dia verterei, elucidarão todos os mistérios dos mini-recados.
E eu não choro.
Vejo, já não lembro. Não uso palavra.
Já senti, já desmoronei, orientei-me.
Como vai?
Eu, tudo legal, solo, nos palcos sem luzes brandas.
Não mudo.
Corro, não choro, calo, não calo, fio, teço, e crio os véus que cobrem os céus.
Arquiteta-me, nas sete portas de Tebas.
No vinho, vermelho de sangue, quente, que me inunda a alma, impura.
Tudo legal?
Sempre tudo igual. Sem alma, corpo ou palco.
Body and soul.
Era, assim, será, por todos os tempos, em que tempos haverá.
Psychedelia.
Caleidoscópios que transmutam pequenos pedaços do mundo embrulhado em papel de seda vermelho.
Amarelo, azul-anil, púrpura, coração palpitante.
Do velho cancioneiro que guardei de memória.
Socialmente, bebo, sim, fumo também.
Vejo na fumaça expelida de meus negros pulmões o futuro de meu corpo.
E aqui, nesta caneta BIC, magra como os dedos de minhas mãos, neste velho papel almaço escrevo linhas desconexas em plena conexão com os hemisférios do meu cérebro acelerado com o fim que parece não chegar nunca, desta história que poderia acabar com a cabeça enfiada no forno e o cheiro de gás tomando conta do apartamento.
Ouço ao longe sinos que badalam fracamente.
Não, não posso.
A tinta da caneta sujou minhas mãos, que há poucos momentos estavam sujas de sangue.
Vermelho e quente.
Agora azul e química, fria.

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