diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Cicatriz

Ouvia tudo. E todas aquelas letras de velhas canções lhe descreviam.
Vivia, só por estar no mundo.
Sem rumo e sem a vontade com que abriu os olhos para o mundo um dia.
Não era mais tão leve quanto fora.
Pesava, carregava nos ombros um fardo grande que era só seu.
Atirar-se de imensos precipícios sem temer as consequências de seu salto era sua profissão.
Não esperava redes de proteção.
Isso o mundo reservava aos covardes.
E coragem nunca lhe havia faltado.
Hoje era fraco e trôpego, por amar demasiado.
Definhava à olhos vistos e não se amargurava por isso.
Orgulhava-se de ter passado pela vida e ter sido marcado.
As cicatrizes muitos não enxergavam, mas estavam ali entranhadas no seu corpo.
E sabia contar de todas as histórias, com riqueza de detalhes.
Repassava-as diariamente, quando não à um ouvinte qualquer, à si próprio.
Não queria esquecê-las. E todas aquelas cicatrizes ainda lhe doíam.
Mas já estava acostumado.
A ferida mais nova, com suas carnes expostas, tratava com delicado carinho.
Pois um dia seria mais uma marca em si.
Uma marca do amor.
Da vida. Do seu despudor em amar, entregando ao ser amado tudo que seu corpo ainda guardava.

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