diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

domingo, 24 de janeiro de 2010

Viagem.

Ela caiu num espiral. E foi levada por longos minutos naquele túnel. Não sabia onde pararia. Pensava em terras imaginárias. Talvez Oz ou o País das Maravilhas. Quem sabe, ainda, poderia ir parar através do espelho? Em algum lugar sabia que iria chegar. Além, muito além, de onde estava. Rodando dentro daquele túnel colorido, onde as coisas passavam voando por ela. Sua sensação não era de estar subindo ou descendo, não sabia, não percebia em que direção era levada. Ouvia uma linda canção entoada por pássaros de plumagem brilhante que passavam ali. E o fim daquele túnel não chegava. Ela pensava: Alice teve o seu destino e por quê eu não posso? Podia sim. E continuava seu percurso, em alguns momentos o espiral ficava apertado, ela mal consegui passar, em outro ficava tão largo que ela perdia as paredes de vista. Ela sorria. Mesmo sem saber de nada. Sorria. E enfim chegou aos seus olhos uma enorme claridade. Parecia a "luz no fim do túnel", e era de fato. Ela desejou estar chegando numa terra colorida. Mas, não. A realidade a chamara. Voltara ao seu celeiro. Em tons de sépia. Onde tudo era normal e quieto. O sonho acabou.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Cinzas...

Eu sentia aquele cheiro forte em mim. Fumava, mas não gostava de dormir com aquele cheiro nas mãos. E por mais que as lavasse o cheiro permanecia. Meu estômago reclama pela manhã, quando acordava e sentia aquele odor no travesseiro. O cheiro de fumo é a lembrança mais vívida que tenho. O cinzeiro repleto de pontas de cigarro ao fim do dia. A casa parecia tomada pela fumaça angustiante. Já não havia ali aquela atmosfera corrompida, aquela frieza estava longe. As paredes úmidas. O ar praticamente irrespirável. A coleção de isqueiros espalhada pela sala, nas mesas, estante, cadeiras. Só o cheiro, hoje abominável, de cigarro queimando. Eu quis tudo, eu tive tudo, só não soube guardar. Eu tive você e não soube cativar, conquistar mais um pouco a cada novo dia. E assim tudo que eu pensa ser eterno se acabou. O amor se extinguiu. Você se foi, levando consigo os melhores anos da minha vida, os meus momentos mais felizes. Uma parte de mim, um braço, uma perna, talvez. Não, levou o meu coração. Eu fiquei. Sem lágrimas. Apenas fumando, vendo os espirais se desfazerem no ar e fugirem pelas janelas. A casa ainda é a mesma, as coisas ainda são as mesmas, mas não se parecem com o que foram. Cada centímetro disto tudo me é estranho a cada novo olhar. Eu pensei, não agi. E deixei escapar, como a fumaça do cigarro escapa. Minha vida foi como um cigarro, cheiro bom antes, um ardor durante e depois...

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Nau.

Gritem aos marujos:
Levantar velas!
O barco precisa zarpar.
Vamos navegar pelos mares.
Sem destino.
Continuar ao favor do vento.
Deixem que as velas nos guiem.
Não importa em que porto paremos.
Sem medo das tormentas.
Num remanso eterno.
Sem marolas.
Meses sem avistar terra firme.
Apenas a imensidão do oceano.
É isso que quero.
Velas hasteadas.
E partamos.
Sem demora.
Esquecendo tudo que deixamos pra trás.
Navegar.
Navegar.
Navegar.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Tua ausência.

Ontem um vento soprou forte na minha janela, e eu me lembrei de ti. De teus cabelos macios que se enroscavam em meu pesçoco. De tua mão, às vezes frias, que me afagavam o rosto. Teus olhos claros e brilhantes. Naquele instante uma estrela brilhou mais forte no alto céu. De tudo que guardei de ti só me restou o perfume. O cheiro adocicado que trazias em teu corpo. Ainda posso senti-lo entranhado em mim. Tua ausência é ainda a maior presença dentro das paredes da nossa casa. Esqueci algumas coisas. Mas, teu perfume é único. Eu fiquei parado na janela. Escutando aquela música que o vento soprava. Não sei quanto tempo fiquei ali, inerte. Envolto nas lembranças e inebriado com teu cheiro, que parecia vivo, como se estivesses ao meu lado, com tua cabeça recostada ao meu peito. Quando enfim dei por mim percebi-me sozinho, sem teus lábios para beijar. Sem tuas mãos, às vezes quentes, para acariciar. Ali, naquele momento eu senti um medo, uma coisa que me apertava o peito e me deixava com uma respiração precária. O frio me tomou. Fechei a janela com muito barulho. Encerrando-me naquela casa vazia.