diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Cais

e de nós não restará nada
além de tua imagem em minha lembrança
e uma gravação em que me falavas em francês.
o nosso reencontro não aconteceu.
minhas mãos não tatearam teu rosto na tentativa de guardar as tuas feições em meu corpo.
ao longo dos dias te irás apagando, esmaecendo...
desmanchar-te-ás como papel deixado ao relento sob torrencial chuva de verão.
em breve não serás mais que um pequeno sopro de saudade dentro do peito meu...
viverás tua vida em outros portos-corações, não mais em meu cais-solidão,
neste atracadouro onde navios não têm paradas para além de uma noite.



terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Epitáfio de um amor

Lavei-me
E teu gozo se apartou de mim.

Sonho (ardente) de uma noite (quente) de verão


A F.L., mas que mais parece chamar-se P.


Há muito tempo eu não escrevo à mão.
E você me inspirou a retomar a escrita no papel.
Eu viro a cabeça e cheiro meu ombro, teu cheiro ainda está em mim.
Tua cabeça ainda pesa sobre o meu peito.
E posso sentir nossas pernas entrelaçadas.
Nosso corpos nus esparramados numa cama grande.
Nossos prazeres ressoando nas paredes e um quarto quente.
É verão. E a noite foi alegre. Como as noites de verão numa cidade litorânea do Nordeste do país.
E eu te abracei, você me beijou, nossos pés arriscaram passos e uma dança desajeitada.
Teu corpo suado exalava um aroma bom e que eu gostaria de sentir por toda eternidade. Mas...
Amanheceu. 
Eu refiz o caminho de volta pra casa.
Teu sorriso matinal e o primeiro beijo de bom dia com gosto de menta ardia em meus lábios.
No meu quarto, também quente, de uma tarde, deitei-me em minha estreita cama, agarrado a um livro que havia semanas eu tentava terminar de ler. Consegui.
Foi duro dar o último suspiro junto à personagem retratada, era Joana, mas podia ser G.H., poderia ser também Laura, a galinha, não.
Era a escritora que morreu de câncer.
Envolta em sua aura de mistério.
Mas quando o vento, o pouco do vento que soprava, entrou pela janela, meu corpo exalou o teu cheiro. O cheiro a nossa noite, quente, feliz, de orgasmos.
E teu olhos apareceram para mim.
Como uma visagem, como uma miragem de um oásis no deserto do meu coração.
E eu sorri. Um sorriso tímio, confesso.
Pois, em mim ainda pulsava a esperança de um último reencontro antes que partas para tuas terras estrangeiras.
Que, enquanto escrevo, não sei se acontecerá.
Ponto final.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

De um calor

Era um domingo, não sei.
Não lembro bem.
Você estava ao meu lado.
Deitados naquela cama.
Não, não era uma cama.
Apenas um colchão, jogado despudoradamente no chão.
Um fino lençol branco o cobria.
E você me dizia, com aquela voz mansa:
- Deus está morto! O mundo não roda mais.
E sorríamos.
Como duas crianças.
E éramos, sim, duas crianças.
O vento entrava pela janela e nem nos apercebíamos daquilo.
Era Deus presente ali.
Arre!
Por que metemos Deus entre nós?
O que havia em nossos corpos era o diabo.
Fogo, carne e desejo.
A nos consumir naquelas tardes quentes de um verão.
Naquele verão fomos como Adão e Eva no Paraíso.
Caminhávamos nus dentro do apartamento.
Pouco nos importávamos com as milhares de janelas que nos espiavam.
Dentro daquelas quatro paredes estávamos num paraíso.
Cometíamos o pecado a luxúria, mas não estávamos em pecado.
Era o amor.
Com todos os seus perfumes, odores e suores.
Animais, aninhávamos nossos corpos.
Teu sexo contra o meu sexo.
Exalávamos ternura e assim nos entendíamos.
Que música ouvíamos? Não sei ao certo.
Talvez a sua cantora preferida, talvez a minha...
Quem sabe não era uma canção que as duas cantaram juntas?
Da memória daquele verão só me ficou o teu corpo.
Tão tenro, tão macio, jovial.
E o gosto de tua boca.
Como doce. Doce que nunca mais provei.
O verão acabou.
E com ele acabou o nosso idílio.
Fomos cada uma para um lado.
Lado opostos, que fique bem claro.
Nunca mais nos cruzamos.
E aquele verão...
As brisas de verão, de qualquer verão me trazem as lembranças de teu corpo.
E eu dou um sorriso.
Tímido, é verdade, mas um sorriso sincero.
E um sentimento de saudade bate.
Te digo, é sempre bom sentir o teu cheiro novamente.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Sonhar

O voo livre já não é tão livre...
Amar já não nos permitem.
E é alto o preço que pagamos por andar na contramão.
Abismos que se plantam a nossa frente.
Viver é sempre delicado.
E já não somos mais como éramos ontem.
Talvez nunca sejamos.
Sonhemos enquanto é tempo.
Haverá um tempo em que não mais poderemos.
Sejamos livre, ao menos no sonho.
E assim, talvez, a vida tenha sentido.
No sonho.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Mistério

Eu não sei que estranha ligação existe entre nós.
O amor, não sei se é real.
Atração e calorosos beijos nos encontros fortuitos.
Palavras de acarinhar e de ferir.
Eu não sei que mistério é o nosso.
Que calor e sabor existe entre nossos corpos.
O teu e o meu.
Tão perto e tão longe.
À você, que eu nem sei como chamar.
E é simples e universalmente complexo o nosso sentimento.
Amor e ódio.
O que é, o que foi, que possivelmente, ou talvez, não será.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Fogo

Era sua língua quente e forte me devastando.
Um calor que penetrava pelos sete buracos da minha cabeça.
Era sua boca a percorrer todos os recantos mais escondidos do meu pequeno corpo.
Um sabor inigualável, um aroma doce que tomava o ar quase sufocante daquelas quatro paredes.
Eram os nossos sexos se encontrando com força e violência.
Um gozo incessante e maravilhoso.
Era o amor.
Era a paixão.
O fogo de nossos regentes que ardiam em nós.
A cópula de dois amantes.
Sem culpa nem censura.
Era assim.
As respirações aceleradas e o cansaço.
O fim de todo silêncio.
Um vácuo no universo.
Era.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

1971

Devaneio-me, inteiro.
Corpo despetalado no sombrio de becos nas sextas-feiras de outubro.
Pés, passos e silêncio.
Silencio e escuto todo o barulho das noites de domingos antigos.
Refaço-me em segundos.
E o meu corpo já reerguido está outra vez transcendentemente iluminado.
Poucas luzes onde vivo.
Na arquibancada do meu coração seu lugar cativo está guardado.
Eis o que ainda há no mundo.
O que eu não desfiz, não pude refazer, nem sei se um dia poderei.
Quando você não me ouvir.
Eu não grito. Guardo o que há no grito.
E nele estão contidas todas as partes de mim, do meu já des(ref)eito body.
O que há no frio de um cadáver?
A lua ainda está lá fora, da minha janela posso vê-la.
Baby, já nem sei.
Não quero tampouco saber. Tudo que eu sei estava escrito num livro.
Eu que nem sei ler.
O Rio é o mais bonito. E São Paulo eu prefiro.
Ah, que não possa chegar nem ao Belo, Horizonte de um panorama visto de lugar nenhum.
Calça as ruas de mim. Pedras velhas, portuguesas e sabão.
As chuvas que um dia verterei, elucidarão todos os mistérios dos mini-recados.
E eu não choro.
Vejo, já não lembro. Não uso palavra.
Já senti, já desmoronei, orientei-me.
Como vai?
Eu, tudo legal, solo, nos palcos sem luzes brandas.
Não mudo.
Corro, não choro, calo, não calo, fio, teço, e crio os véus que cobrem os céus.
Arquiteta-me, nas sete portas de Tebas.
No vinho, vermelho de sangue, quente, que me inunda a alma, impura.
Tudo legal?
Sempre tudo igual. Sem alma, corpo ou palco.
Body and soul.
Era, assim, será, por todos os tempos, em que tempos haverá.
Psychedelia.
Caleidoscópios que transmutam pequenos pedaços do mundo embrulhado em papel de seda vermelho.
Amarelo, azul-anil, púrpura, coração palpitante.
Do velho cancioneiro que guardei de memória.
Socialmente, bebo, sim, fumo também.
Vejo na fumaça expelida de meus negros pulmões o futuro de meu corpo.
E aqui, nesta caneta BIC, magra como os dedos de minhas mãos, neste velho papel almaço escrevo linhas desconexas em plena conexão com os hemisférios do meu cérebro acelerado com o fim que parece não chegar nunca, desta história que poderia acabar com a cabeça enfiada no forno e o cheiro de gás tomando conta do apartamento.
Ouço ao longe sinos que badalam fracamente.
Não, não posso.
A tinta da caneta sujou minhas mãos, que há poucos momentos estavam sujas de sangue.
Vermelho e quente.
Agora azul e química, fria.

terça-feira, 27 de maio de 2014

O tempo

Os anos passaram e eu continuo aqui, olhando da mesma janela.
A rua já não é a mesma.
Eu sou.
O tempo mudou tudo.
Das paredes da casa pendem teias, muito finas.
Como o nosso amor, partem-se ao sopro de um vento um pouco mais forte.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Atrás da porta

Eu sei que você está aí.
Por que você não me responde?
Que mal tão grande eu te causei?
Por que meus chamados não são respondidos?
Te chamo, te amo, te amo, te amo...
Minhas forças se esvaem.
Responde-me, te chamo.
Te chamo, te amo.
Abre-me as portas, janelas, o teu coração.
Por quê? Ouve-me apenas uma vez.
Te amo, te amo, te chamo...
A porta que nos separa também me ampara, choro as dores de meu amo em vão.
Eu sei que me ouves!
Responde-me, abre-me tua vida solitária.
Me tira da solidão, amor meu.
Eu te anseio, te desejo, te degluto em sonhos.
E tu, nada. Impassível.
Amor meu, saudade ainda não sentida, tristeza ainda não sofrida.
Te chamo, te amo, te amo, te amo...

terça-feira, 20 de maio de 2014

O silêncio

Quando não há palavras para que nos façamos compreender só podemos silenciosamente ouvir o barulho que o coração faz...

sábado, 17 de maio de 2014

Indagação.

Eu silencio.
Tu devias apenas me amar.
E eu sentir-te, inteiramente parte de mim.
Tu não podias ter me deixado olhando as estrelas.
Eu aqui fiquei, olhos semimortos a fitar as passagens na rua.
Tu já habitas outros corações levianos e tristes como o meu.
Eu ainda te recordo os olhos verdes e brilhantes.
Tu já passeias em muitas ruas iluminadas.
Eu leio à luz tremulante.
Tu me amaste?

domingo, 6 de abril de 2014

O que restou?

O que restou?
A porta está fechada.
Findou-se a festa.
O silêncio reina.
O que restou de mim?
A alma tranquila, hoje.
O coração endurecido.
Meus olhos já sem o mesmo brilho de antes.
A pele sem o mesmo viço.
O vício de fumar, não abandonei.
E aqui cheguei, onde não sei.
Onde a vida não é mais a mesma.
Cinza, as cores pálidas, mortas e frias.
Como minhas mãos, já sem vida.
O que restou de nós?
A saudade.
Uma velha foto já se apagando.
Um nome, uma lembrança de um perfume.
O copo já vazio.
A cadeira no canto, sem teu calor.
E findo o amor.
A velha canção do Jobim que falava de um novo amor para acalmar corações sofridos, ainda toca.
Os caminhos já se descruzaram há tempos.
E seguimos.
Mas o tempo passou.
Eu ainda me lembro, tu, acredito, que não lembres de mais nada.
E eu te pergunto: O que te restou?
Já não sei se ti, de teus caminhos, de teus amores, tuas alegrias.
Não sei mais quem és, o que te tornastes.
Eis o que nos restou: a distância.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Voz Guia

O medo está entre o ir e vir.
E permanecendo estático, imóvel, não se tem medo.
A vida prescinde de medo.
De mover-se, adiante, atrás. Movimento.
O medo é impulso algumas vezes.
É amarra em outras.
Sair do lugar é fundamental.
Ao abrir-se a garganta dourada e a grave voz emitir os primeiros sons eu já não tenho medo.
Tudo muda, transmutação da minha letargia.
Em todos os segundo de minha inexpressiva existência é a voz que me impulsiona.
Não ao silêncio da garganta dourada.
A voz, a música, a tradução do meu ser em toda sua simplicidade.
Grandeza nunca alcançada, energias cósmicas.
Meu medo sumido, camuflado.
Viro-me, mexo-me, sigo.
Rumo ao desconhecido, ao novo, simplesmente guiado pela voz.
A voz.
Aquela voz, de ontem, de hoje, de sempre, para todo o sempre.
Peito rasgado e coração pulsante.
Sentimentos que ouso experimentar, que nunca foram planejados.
Eu vou.
Cabeça erguida, de cara para o novo tempo.
E lá vou eu.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Maria.

O dia de hoje não poderia passar sem que eu escrevesse algumas linhas. Há 49 anos o carcará alçou seu voo. Do recôncavo da Bahia para o mundo. Paris, Porto, Fèz... A menina de 19 anos virou estrela da noite para o dia. E nunca mais parou. Foi Berré, a cantora de atitude e vontade própria, sem nunca se prender a rótulos. Cantou sua Bahia, Caymmi. Cantou Noel, Roberto Carlos, seu mano Caetano e tantos outros grandes de sua geração, de gerações passadas, de gerações futuras, tornou-se A VOZ das mulheres criadas por Buarque. Olhos nos olhos de seus súditos. A abelha rainha da música brasileira arrasta uma legião de fãs enlouquecidos, que vão ao delírio aos primeiros acordes de sua banda, aplaudida antes mesmo de entrar em cena. A senhora, que é hoje, dona absoluta de seu palco mastiga as palavras das canções e vomita-as com toda a força de sua alma. É um orixá encarnado, Iansã viva, pulsante com toda a sua tempestividade. A mim muito ensinou e ensina, o amor ao palco, a dedicação ao ofício, o respeito ao seu público, o profissionalismo. Ensinou também a amar as grandes vozes do mundo, Billie, Judy, Nana... Hoje eu vivo na sua Bahia, abençoado ao pé do ouvido. Maria, eu só posso dizer uma única palavra: Obrigado. Hoje e sempre.

Êparrei, Maria Bethânia.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

[Série] Cartas

Mamãe,

Eu sei que sou muito danado. Mais Mas prometo pra senhora que eu vou tentar ser bonzinho!
Não vou mais brigar com Laurinha, vou comer verduras, vou fazer minhas lições e escovar os dentes antes de dormir.
Prometo também que não vou mais arrumar brigas no colégio.
Mas por favor mamãe me deixe andar de bicicleta todos os dias com os meninos da rua. Se eu levar outro tombo e ralar o joelho não vou chorar, eu juro.
Mamãe, mesmo sendo esse pimentinha eu te amo.

Um beijo do seu filhinho.

domingo, 26 de janeiro de 2014

[Série] Cartas

Querido,

Te escrevo, mesmo sabendo que não lerás estas tortas linhas. Mas a necessidade de escrever é urgente. Lembro-me de quando nossos olhos se cruzaram pela primeira vez. Eu vestia branco, lembro deste detalhe porque não era comum naquele tempo eu vestir branco, bem sabes que sempre gostei de vestir-me coloridamente, hoje já não tanto, não fica bem, a idade já não me permite tantas extravagâncias nas roupas. Mas quando nosso olhares se cruzaram eu sabia, tu sabias, palavras não foram precisas pra que existisse o primeiro contato de nossos lábios. E assim aconteceu. Tudo foi tão rápido e nos tomou, nos embriagou, nos tirou chão e ar. Mas tudo, como começou, terminou rapidamente. Segui meu caminho e tu seguistes o teu... Já não sei onde andas, com quem andas, como vives, se ainda te lembras de mim... Eu mudei, o tempo me cansou, já não tenho mais aquela vivacidade de outros tempos, empalideci, emagreci, meus cabelos pratearam e meus olhos perderam o brilho. Há momentos em que me pego pensando em ti, imaginando o que fazes, o que fizestes nestes tão longos anos que nos separam daquele último momento onde nossos lábios se tocaram pela última vez e nossas mãos deram-se os derradeiros acenos. Teus cabelos, tuas mãos, teus olhos ainda são os mesmos? Em mim guardo ainda a tua imagem como eras... Sei que já não és assim. Será que mudamos tanto que, talvez, não nos reconheceríamos ao nos cruzar outras vez? É possível que isto já tenha acontecido... Mas de que isso importa? Sei que não tornarei a ver-te, então que me fique a memória de tua jovial beleza que partiu rumo à distância de mim naquela manhã de sábado chuvoso. Não sou triste, espero que também não sejas, vivi o que a vida havia me reservado, mas guardo lembranças de todos que passaram por minha vida, e tu, apesar de uma passagem relâmpago, tens um especial lugar na minha história. Não trago amarguras no peito, isso nos faz pesar, e eu, bem sabes, gosto da leveza, da leveza dos voos dos pássaros, do vento e do céu. Sofri, sim, nos primeiros tempos longe de ti, mas o tempo encarregou-se de me acalmar a saudade e amansar minha alma. E eu fui feliz, sim.

Com afeto,

Alguém que um dia muito te amou.