diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Do almoço...

Um Coca-cola aberta. Um prato sujo. Copo de gelo, fatia de limão. E uma figura mórbida sentada em frente. Era assim que passava dos os dias, exceto sábados e domingos, no horário das 12 às 13 horas. Naquele velho botequim de esquina. Saia apressado do trabalho para se refastelar naquele prato-feito. O cardápio não era tão variado. Ia de bife à galinha. Passando por suas variantes, assado, cozido, guizado, de molho. Era uma alimentação bem comum. E se sentia feliz. Um pequeno café. O último cigarro no caminho de volta. A bala de menta. E seu hálito ficava uma mistura de gordura, tabaco, café e menta. A satisfação maior era sentar-se à sua mesa no escritório, debaixo do ar-condicionado, recostar a cabeça na parede e tirar vinte minutos de um cochilo desajeitado. E enfim estaria pronto para prosseguir mais um fatigante período de trabalho. Seu colarinho apertava, não se sentia a vontade usando gravatas. Pensou na praia, na sensação de pisar descalço na areia. Sentiu o cheiro da maresia, o calor do sol. Seus pensamentos foram interrompidos pelo insistente telefone que tocava. Tirou o fone do gancho, atendeu a ligação. Resmungou qualquer coisa de volta, sem ar muita importância. Queria ansiosamente voltar aos seus pensamentos paradisíacos. Tentou retomar aquela sensação, não conseguiu. Se deu por vencido. A realidade o trouxera à tona. Se tornava inevitável tentar adiar. O dever lhe chamava. E lá se foi, pesado, prosseguir sua jornada de trabalho...

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Sala vazia.

Caminhava naquela sala escura. Conhecia cada centímetro daquele lugar. Corria as mãos pelas paredes frias. Tão sujas como sua alma. A sala estava vazia. A janela fechada. Era fim de tarde. O sol já se ia, levando consigo toda claridade. Ficava ali, agachado num canto qualquer. Onde duas paredes se beijavam. Conseguia ver todos os movéis que estiveram ali, durante tantos anos. As várias mesas, cadeiras, poltronas, tapetes, vitrola, radiola, revistas, cartas. Revia todos os que recebera ali, para longas conversas, noites de música. Cinzas dos últimos cigarros ainda se encontravam pelo chão. A poeira escondida por décadas embaixo do tapete ainda morava ali. As muitas camadas de tinta das paredes impregnavam as sensações. E podia sentir todas. Todas as alegrias, as tristezas. Ainda estava agachado num canto qualquer. Olhava o teto. Sentia ainda o brilho do velho lustre aceso. E ali, naquele momento nenhuma luz existia. Passou a mão no rosto. E se deu conta que assim como aquelas paredes seu rosto também era frio, imóvel, velho. Cheio de marcas do tempo. Cada segundo vivido estava impresso ali, em sua face. Seus cabelos começando a pratear e rarear. Seu corpo refletindo o peso dos anos. Seus passos, antes agéis, firmes, hoje vagarosos e vacilantes. Levantou-se. Encostou-se à janela. Não abriu. Apenas escutou os rumores da rua. Aquela rua. Não conseguiria abrir a janela e não ver mais a rua de sua infância. Estava agora tomada e gigantes de concreto. Seguiu seu percurso pelas paredes, até se deparar com a porta. Corajosamente abriu-a. Saiu daquela sala. E no seu íntimo se sentiu feliz, pois saia pela última vez. Fechou a porta atrás de si, com grande estrondo. Sepultava, ali, naquela sala todo o seu passado. Iria, agora, viver uma nova vida. Andou até a praia. Sentou-se mirando o mar. E ali ficou.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Cicatriz

Acabou a festa.
Me fez te amar.
Para quê?
Voltou pra casa.
Me deixou.
Disse adeus da escada.
Nem olhou pra trás.
Dia sim, dia não eu lembro.
Voltei à escuridão.
Sem você.
Não me arrependo de nada.
Apenas do meu ciúme.
Ele corroeu-nos.
Abriu um abismo entre nós.
E hoje cada um vive no seu mundo.
Longe.
É muito tarde, eu sei, para tentar rever.
Desfazer.
Agora seremos felizes.
Cada um na sua glória.
A amargura de um passado distante se desfará.
Um belo dia de sol virá mudar tudo.
E cada um viverá novas histórias.
Não tão belas como a nossa.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Um novo (velho) mundo.

Desmedido impulso me levou. Plantado estou. Fincado ao chão como raíz de uma centenária árvore de floresta. Não sai deste lugar. Meu tempo foi aqui. É aqui. E será. Um dia serei lembrança. Passado. Longínquo e morto. Da realidade eu apenas vi uma parte. A que passava em minha janela. O medo do mundo grande me manteve preso nesta casa. Com suas paredes maciças. Suas pesadas portas coloniais. Suas cortinas empoeiradas que barram a luz do sol. Um ímpeto me fez descerrá-las. Ao primeiro raio de luz ceguei momentâneamente. Fui, devagar, abrindo meus olhos. Acostumando-me com a claridade. Num súbito desatino, ainda maior, abri as grandes janelas. O mundo me tomou. O ar turbulento me encheu os pulmões, me fazendo cambalear. Aprumei o corpo. Ereto ergui-me novamente. Pus a cabeça pra fora. Vi pessoas. Que passavam apressadamente pela rua. Tão barulheta. Ninguém notava que naquele instante eu conhecia um mundo novo. Além das minhas paredes. Um mundo de cores que jamais pude imaginar. Encerrado naquele mundo cinzento. O mundo não parou. Não observou minha grande descoberta. Depois de horas debruçado sobre o parapeito, já entediado. Fechei as janelas fazendo um grande barulho, cerrei as cortinas. Tudo voltava a ser como antes. Silencioso e sombrio. O meu mundo percebia, sim, tudo que eu fazia. Não quero, não vou viver num mundo em que tudo é trivial. Banal. Onde ninguém observa as consquistas e descobertas dos outros. Prefiro me enfiar neste meu infinito. Onde posso me controlar. Lá, tudo acontece como quero. E a menor mudança é notada. Um passo mais pesado e tudo muda de lugar. Aqui eu sou o rei. Absoluto. Louco, mas absoluto. Centro de tudo. Tudo era cinza, mais uma vez.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Ainda vivo por amor.

Eu que até hoje só amei.
Nunca fui amado.
Senti imenso ciúme.
Me maltratei.
Marquei minha pele.
Tatuei teu nome.
Inpregnei teu cheiro em mim.
Me afoguei em teu corpo.
Agarrei teus cabelos macios.
E os últimos fios ficaram presos ali.
Respirei teu hálito.
Bebi teu suor.
Amei.
Meu corpo hoje tem marcas mil.
Nomes vários pintados.
Coração compartimentado.
Fragmentado em diversos amores.
Todos, hoje, sepultados.
Meus olhos já não procuram os olhos de ontem.
Fitam a imensidão que se espraia adiante.
O amor morreu.
Os amores morreram.
As pessoas morreram.
Eu não morri. Ainda.
Até que se extinga o meu medo.
O ciúme que ainda está presente.
A raiva.
Ódio de não ter tido.
A vontade, a ânsia de ter vivido o amor.
E aí, enfim, eu serei passado.
Esquecido e remoto.
Desfeito.
Destroço, desmanchado.
Morto.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Paralelos.

Se eu te amo.
Tu não me amas.
Se eu te olho.
Tu não me vês.
Se eu te chamo.
Tu não me ouves.
Se eu te desejo.
Tu nem me percebes.
Se eu te esqueço.
Tu nem notas.
Se eu te matar.
Aí, sim, tu saberás quem sou.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Sem mais.

Do que eu sinto, só o tempo dirá se verdadeiro é.
Do meu amor ninguém poderá caçoar.
Eu sou assim. Um inveterado amante.
Amor está em cada parte de mim. Dentro.
Para fora. Exalando. Expelindo por cada poro.
Meus olhos brilham. Mãos geladas.
Coração em disparada.
O mundo pára. E só te vejo.
Nada mais tem cor, nada tem vida.
A pulsação está apenas na nossa troca de olhares.
Eu te amo, tu me amas, eu te olho, tu me olhas.
Meus olhos penetram por tua alma, revelam meu desejo.
Teus olhos retribuem. E é bonito, sentir.
Eu não posso acreditar que tudo é sonho.
Que nada é real.
Eu amo, eu sinto, eu sofro, eu pulso, eu estou.
E tudo é ilusão.
Apenas ilusão.
Solidão sem fim, de noites e dias chatos.
Que se sucedem sem que haja vida em mim.
Apenas um resto do amor que tive.
Um rastro mínimo da verdade que existiu um dia.
O meu amor foi diluído, desfeito.
Corróido pelo ciúme, consumido pela vontade de ter-te.
E findou-se.
Acabou o tempo.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sem você.

Enquanto queimo meu dinheiro, a vida passa.
Quando te afogo no álcool, me afundo.
Da minha janela nada vejo.
Apenas a escuridão da noite, o brilho da lua, rainha, no céu sem estrelas.
Daqui de dentro de mim vazio o mundo principia.
E se finda.
Mundo que se resume a mim, hoje.
Um dia foi extenso.
Te incluía.
Minha vida é sem cor, meu peito vazio, minha alma é fria.
Tua lembrança me assombra, me ronda noite e dia.
O velho rádio não toca outra música, apenas a nossa.
Cada nota me corta a pele, fere.
Eu queria fazer alguma coisa.
Sou sem vida, sem ação.
Estático, monocromático.
As noites são cada vez mais longas.
Os cigarros queimam mais rápido.
E o tempo não passa, não se desfaz a saudade que me aperta.
Junto à janela minha cadeira, que nunca está desocupada.
Estou sempre ali.
Olhando o final da rua, esperando rever aquele vulto.
Quem sabe de volta...
Nada, apenas o desejo de ter-te outra vez.
A vontade de sentir teu cheiro, tua pele outra vez na minha.
E sinto frio.
Fico sem você, sem amor, sem ninguém.
Esperando, esperando, esperando...

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Ciúme

Que dimensões meus sentimentos tomam hoje?
Nem eu mesmo sei.
O ciúme me toma por completo.
Não deixando espaço para o perdão, a compaixão.
Só permite o amor. Amor violento.
Dominador, um sentimento virulento.
Doença maldita.
Que me corre nas veias.
Galopa como um animal feroz.
Dilacera minha alma.
Me faz sofrer.
Corrói minhas entranhas.
Me priva de meus sentidos.
Do meu juízo, dito normal.
É uma força que me arrebata.
Domina.
E eu não sei como curar.
Desmanchar.
O ciúme que me mata.
Silenciosa e vagarosamente.