diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Inerte

Em mim há apenas uma vontade.
Não sei explicar muito bem...
Metade de mim é desejo e a outra metade é inércia.
E assim me vejo parado, fechando o cruzamento das vias.
Plantado em plena avenida.
As buzinas me ferem os ouvidos, mas eu não me movo.
Completa imobilidade de meu ser.
Minha voz não pode, não alcança.
E o grito fica perdido dentro de mim.
A vontade de te dizer tudo que há guardado dentro do peito.
Os meus pulmões recebem lufadas de gás carbônico dos canos de escape dos carros que me rodeiam.
As luzes me fascinam, na noite de trânsito travado.
E eu, imóvel naquela encruzilhada.
Atordoado e demente.
De uma vontade que já nem sei.
Ou sei? Soube?
O que era? O que será? O que já podia ter sido e apenas não foi.
Sonhos não concretizados, planos abandonados, plantas rasgadas...
E já...
Súbito a vontade inerte de mim desaparece.
Enfim consigo mexer-me.
O primeiro passo e a vida volta a seguir seu curso...

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Grito da razão.

Tudo faz sentido quando não é sentido.
Quando é sentido tudo é irreal.
Ilusórios momentos de afeto e gratidão.
E o amor parece ser vivido.
Vívido e forte.
Laços que se rompem ao sabor do primeiro vento.
O vento que horas ajuda ao voo.
Mas ao seu rompante mais forte também derruba.
Queda livre do amor.
A loucura que nos toma o corpo.
Estremece a alma fraca e ansiosa.
Nada é real.
A secura do coração é o verdadeiro.
O silêncio, a escuridão e a solidão.
Isso é a realidade.
As estradas verdes e os caminhos tranquilos, não.
Secou.
A última lágrima, a grama, o chão.
Os leitos de rio estão mortos.
Como peitos de mãe que não pingam leite.
Mesmo com a vontade do filho que chora.
É pedra, quente.
Seixos que rolam, rolam, rolam...
Brisa morna.
É o tempo que prenuncia as torrentes que virão.
Tudo começa a fazer sentido.
É a razão que grita.
Ouça-a.
Esqueça tudo, é uma pequena ilusão.
Grão de areia irreal.
O amor nunca existiu.
Nem existirá.
Invenção dos ociosos, desocupados, boêmios e poetas.
Loucos em seus delírios evanescentes.
Éter com seu forte cheiro que se desmancha no ar.
Findo.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Promessas

Você jurou que não iria me fazer mal.
E agora o que eu faço com os restos de mim?
Minha alma despedaçada.
As lágrimas que chorei nas noites frias em que remexia-me na cama, sozinho.
Suas promessas foram vãs.
E você me fez mais triste.
Desacreditado de tudo.
Vendo um mundo sombrio e cinzento, como paisagens londrinas.
Suas juras secretas foram levadas pelo vento.
E suas palavras não se firmaram, não eram verdadeiras.
Levianas.
Promessas, promessas nunca cumpridas.
Seu amor, por mim tão desejado, foi-se.
Apenas em mim ficou a saudade.
O último pilar que ainda me sustenta de pé.
E eu me pergunto o que me acontecerá quando a saudade passar?

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Cartas da saudade...

Hoje eu tive vontade de escrever cartas.
Cartas de saudade.
Aos amigos que há muito não vejo.
Que o tempo distanciou, me tirou do convívio.
A vontade chegou às pontas dos dedos.
Escrever cartas é coisa esquecida.
Já não se usa.
Mas eu ainda sinto vontade.
E escrevo-as.
Falo das minhas saudades.
Compartilho com os queridos as minhas alegrias e tristezas.
Que não pude dividir presencialmente com eles.
Amigos, saudades, cartas, papel e palavras.
Paixões já esquecidas, amores já cicatrizados.
É vontade de me escancarar na folha em branco.
Abrir meu coração, minha alma.
Dizer da falta que sinto.
A saudade que me toma.
E que faz meus olhos marejarem.
Saudade.

sábado, 12 de outubro de 2013

Pedido

A minha fraqueza é a mão que não se mexe para escrever-te.
Minha dor é não ter-te junto a mim.
Envolto em outros braços teu frágil corpo que um dia me pertenceu.
Minha solidão é um escuro que me engole como o buraco negro cósmico engole estrelas.
Não que eu seja estrela, meu brilho e viço já há muito perderam-se nas estradas secas.
O caminho atrás é poeira e lembranças quase apagadas da velha memória.
As lágrimas secaram antes de o chão tocar.
Não criei um rio, não escrevi um livro.
Eu apenas amei.
Amo, já nem sei mais.
O meu silêncio, a tua ausência que me estoura as veias, onde corre o meu fraco e anêmico sangue.
Já não quero continuar.
Cansei.
Desisto de tudo.
Eu não aguento mais.
Os pés estão abertos em chagas que queimam.
Fostes tu. Ou melhor, foi a tua não presença.
O teu afastamento tão de súbito.
E eu que quedei-me por estes recantos escuros do vazio da vida dos sem amor.
Nos escombros dos castelos de areia que construí em meus sonhos.
Meros devaneios de uma vida pela frente.
O breque foi inevitável.
O freio que me agarrou pelos dentes, como arreio do alazão.
E me fez estancar neste lugar.
Tu seguistes, galopante em teu pégaso.
Eu cá, destronado do posto que um dia ocupei junto ao teu coração de gelo.
Medo eu nunca tive, bem sabes.
As cartas que não te enviei, nem sequer escrevi-as.
Mas sei todas de cor, guardo-as ditadas a mim mesmo no silêncio do meu quarto.
A coragem de dizer-te hoje que ainda te espero já não tenho.
Esmurrar uma faca para quê?
Fazer sangrar os dedos que outrora te acariciaram a face?
Não.
Sofrer, já o faço por toda a vida.
Cruzando-nos outra vez, peço-te, mira ao lado oposto, não te aproximes.
Pois sou fraco.
E sei que não resistirei. Meu coração não aguenta.
Palpita dentro do peito, galopa em disparada carreira.
E o teu não.
Deixa-me. Resignado com o meu destino.
Trôpego nos caminhos que ainda me restam.
Errarei nas veredas que se abrirem a minha frente.
E só.
Peço-te.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Solidão

Tenho uma companhia que está sempre ao meu lado.
Há dias em que ela se afasta, pouco.
Mas há dias em que ela me encosta à parede.
Aperta-me contra o reboco frio.
Põe sua mão gélida sobre o meu peito numa tentativa de me resfriar o coração.
Quase petrifica-o.
A minha respiração é quase nula.
E minha companheira me domina.
Silenciado revejo todo os caminhos, como um filme que projeta-se naquela parede fria.
Lágrimas salgadas correm dos olhos e caem no chão.
Sobre o qual estão meus pés, mesmo que eu não os sinta mais.
É um vazio.
Meu corpo sem suas entranhas.
Apenas o coração, resistente, fraco, que ainda palpita, agarrando-se às últimas lembranças.
De repente tudo se desfaz.
A respiração retoma seu ritmo compassado.
O filme tem suas imagens esmaecidas.
E minha companheira descansa.
Fraca, vai preparar-se para o seu próximo ataque.
Que é sempre inesperado.
Até breve, amiga.

sábado, 31 de agosto de 2013

A(r)mou.

Quando não quis.
Não quis quando.
Teve.
Amor.
Armou-se até os dentes.
Tentava se proteger.
Amou, antes.
Quando teve não quis.
Amor.
Quando não quis.
Derrubou-lhe.
Armou.
O amor um bote certeiro.

domingo, 25 de agosto de 2013

Pequeno poema do homem que acreditava

Quando criança acreditava no amor.
Amou e sofreu.
Perdeu e ganhou, poucas vezes.
Cresceu e continuou acreditando que tudo fazia sentido.
Em momentos, alguns instantes rápidos, desacreditou.
Mas sua vida foi toda amor.
Findou-se achando que tudo valeu.

sábado, 13 de julho de 2013

As estrelas...

Repetitivamente, exaustivamente amava.
Gritava sempre, os ventos de todos os lados:
"Eu quero parir luz!"
Era seu sonho.
Iluminar o mundo com sua criança-estrela.
Um bebê de cinco pontas, pés, mãos e cabeça-guia de brilho.
O umbigo, rastro de cometa cairia e clarearia todo o caminho da estrada.
Guiando os passantes, retirantes e perdidos na amplidão do mundo vazio.
Tanto gritou o seu sonho-luz que numa noite fria um astro qualquer que vagava no cosmos desceu até a Terra.
Fecundou-a de matéria cósmica luminescente.
E alguns meses depois seu bebê-claridade veio ao mundo.
Deu a luz.
Mas a criança-estrela em poucos dias desfez-se da forma humana e partiu-se em vários, subindo aos céus onde bordou a abóbada celeste escura como um vestido cheio de pedras brilhantes.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Malditas mãos

Passos e pés.
Caminhos que me levam onde eu não sei.
Enquanto seus pés estão fincados naquele mesmo lugar.
Eu vestia branco, era noite.
Nossos olhos se cruzaram.
E verdades eu vomitei, sem medo.
Saltar sem redes, meu exercício preferido na vida.
A sensação de nada esperar e esperar tudo ao mesmo tempo.
Mãos que se entrelaçaram até o momento do adeus.
O adeus que ficou sempre escamoteado ante a vontade das mãos de permanecerem juntas.
Mas o fim chegou. A partida inevitável, o adeus no cais, sem direito a lenços brancos acenados.
Apenas o silêncio. As noites tão frias de junho.
O vento que abraça meu corpo.
E eu sabia que teu corpo já estava sendo abraçado por outras mãos que não se levantariam para o adeus.
Acariciariam as partes de ti que outrora cabiam às minhas mãos acariciarem.
E minhas mãos, hoje frias, ainda sentiam teu corpo.
O teu cheiro ainda entrava por minhas narinas e colocava-me num torpor nostálgico.
E eu lembrava-me daquele momento: o Adeus.
Aquele instante de vida que eu queria não ter vivido.
O aceno que eu não queria ter dado.
Um último beijo que ainda trago na boca agora amarga.
Os olhos cinzentos e sem brilho que hoje tenho olham a vida sem grandes esperanças de novos amores.
Quero curar-me de ti, esquecer-me de teus olhos, teu cheiro, teu corpo, tua boca, de tuas mãos...
As mãos são as grandes culpadas da minha tristeza.
Malditas!
Antes eu as tivesse cortado fora para que não se levantam-se naquele aceno que decretou o fim de nós.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

As sombras...

Abriu a porta e saiu correndo.
Correu, correu, correu...
E quando parou se deu conta que ainda era o mesmo.
Não adiantava o quanto corresse.
As suas sombras ainda o seguiriam.
Voltou todo o caminho até a casa.
Entrou, fechou a porta e foi dormir.
Quando o dia clareasse já não veria as sombras.
E sorriria.
Até a próxima noite.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Vermelho

Eu me lembro daqueles dias em que um cheiro nauseabundo tomava conta da casa. Eram dias em que o silêncio predominava naquela casa velha, de janelas altas e longos corredores. Tudo ficava em estado alerta, o silêncio era para evitar que as faíscas se agitassem e provocassem uma explosão.
Eu era tomado de um enorme asco por você e aquele maldito cheiro entrava pelas minhas narinas me deixando tonto, minhas náuseas eram constantes e agravavam-se nos momentos em que eu era obrigado a entrar naquele cômodo escuro da casa, ou por necessidades fisiológicas ou pela obrigação da higiene diária. Era o banheiro o foco daquele terrível odor e eu me via obrigado a ter que entrar ali, nossa casa era muito velha e nos tempos em que foi construída era regra se ter apenas um banheiro, eram os tempos do reinado do bidê. Os restos daquele vermelho sangue quando expelido pelo seu corpo exalavam um nauseante cheiro que se espalhava pela casa, se impregnava nas paredes, nos lençóis e martirizava-me o estômago.

Aqueles dias pareciam ser mais longos, o meu apetite sumia, ia passear do outro lado do mundo, talvez. Eu não conseguia sequer te olhar, embora isso já estivesse tornando uma rotina, nossa relação já estava deteriorada, sangrava como o seu útero, mas nesses dias a situação agravava-se, ao menor contado de pele, se por acaso esbarrássemos um no outro no estreito corredor, um arrepio tomava-me a espinha e eu era obrigado a respirar fundo e tentar lembrar que dentro de alguns dias tudo voltaria ao normal e aquela velha casa teria o seu cheiro de mofo e poeira. E o meu apetite retornaria de sua viagem ao Japão, o silêncio seria quebrado e nós retornaríamos a viver como se fossemos felizes. 

Cicatriz

Ouvia tudo. E todas aquelas letras de velhas canções lhe descreviam.
Vivia, só por estar no mundo.
Sem rumo e sem a vontade com que abriu os olhos para o mundo um dia.
Não era mais tão leve quanto fora.
Pesava, carregava nos ombros um fardo grande que era só seu.
Atirar-se de imensos precipícios sem temer as consequências de seu salto era sua profissão.
Não esperava redes de proteção.
Isso o mundo reservava aos covardes.
E coragem nunca lhe havia faltado.
Hoje era fraco e trôpego, por amar demasiado.
Definhava à olhos vistos e não se amargurava por isso.
Orgulhava-se de ter passado pela vida e ter sido marcado.
As cicatrizes muitos não enxergavam, mas estavam ali entranhadas no seu corpo.
E sabia contar de todas as histórias, com riqueza de detalhes.
Repassava-as diariamente, quando não à um ouvinte qualquer, à si próprio.
Não queria esquecê-las. E todas aquelas cicatrizes ainda lhe doíam.
Mas já estava acostumado.
A ferida mais nova, com suas carnes expostas, tratava com delicado carinho.
Pois um dia seria mais uma marca em si.
Uma marca do amor.
Da vida. Do seu despudor em amar, entregando ao ser amado tudo que seu corpo ainda guardava.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O que o tempo fará?

Eu sei que um dia tudo será memória
E que uma dia a memória se apagará
Já não me lembrarei de teus beijos
Nem de tuas palavras de amor.
O som da tua voz se perderá no espaço
As tuas feições ficarão para trás com o tempo
E o que restará?
Talvez uma pequena semente plantada no fundo do meu peito
Ou apenas uma fotografia guardada numa gaveta qualquer.
Mas enquanto a vida não nos envelhece, vivamos
Desfrutemos deste sentimento que é fresco como água na fonte.
E quando a poeira do tempo se depositar nos nossos rostos nos saberemos felizes neste momento que será um passado velho e esquecido.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Oco

Oco
Ressoando ecos
Internos zumbidos
De um estilhaçado coração.
Vazio
Vácuo de um ser
Amores partidos.
Espaço secreto de amores nunca realizados
Hiato de sentimentos
Vão.
Peito oco e ressonante
Batidas fracas do meu exangue coração.
É o silêncio o que me espera.
Quando já cansado pararei
E tudo não terá importância
O eco do que fui perdurará
Amores
Quantos e tantos que me passaram
e eu fiquei, débil.
Com um enorme buraco no peito.
Oco.