diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Representar

Vai.
Entrega-te por completo.
Vive loucamente.
Representa tua personagem visceralmente.
Corre pelo palco da vida.
Exaure todasas tuas forças.
Não teme o amanhã.
Dar-te inteira.
Deixa-te possuir.
Dominar pela força de outrem.
Por quem te fazes passar.
A quem fazes viver nesta hora.
Sofre as dores.
Ama, alegra-te, chora.
E por fim deixa-te carir, exausta.
Consumida.
Fraca e realizada.
Até de novo subir do pano.
E as luzes brilharem.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Indecisão.

A indecisão move o mundo.
Mexe o medo.
A inconstância das pessoas.
O momento presente é rápido.
A mudança de hábitos se dá em segundos.
E assim por diante.
Sempre insconstante.
Agora é, ontem não foi, amanhã nunca será.
O tempo é presente, infinitivo.
Ar. Er. Ir.
Não há firmeza, decisão.
Definição.
Sempre frouxo, sem amarras.
Correndo solto.
Folgado.
E tempo passa.
E as pessoas não se firmam.
Não fincam pé.
Jamais criam raízes.
São fracas.
Vão-se com o vento.
Planam, sem pousar.
Aéreos seres.
Que se põem eternamente à favor do vento.
Faça o tempo que fizer.
Vão.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O Funeral

Seu maior medo era ser enterrado como indigente.
Pedia a todos os conhecidos:
- Se eu morrer antes não me dêem um enterro de cachorro! Volto pra puxar o pé!
Morria de medo da morte.
Porém, não largava a boemia.
Um dia, voltando de uma noitade, sentou-se na praça.
E ali mesmo ficou.
Morto.
Os amigos o levaram para casa.
Entregaram-no à família.
Que tratou de tudo como o desejo do finado.
Qando começou o velório lá estava:
O corpo estendido.
As mãos unidas,
Sobre o peito repousam.
Os olhos sem brilho, fechados.
A face levemente arroxeada.
O semblante sereno.
Vestia seu paletó mais bem talhado.
Os cabelos estavam como de costume.
Penteados para trás.
Um terço de madrepérola ornava-lhe as mãos.
Outrora tão quentes e macias.
Agora frias, entrelaçadas.
Os sapatos de verniz, meias de seda marrons.
Os cravos-de-defunto arrematavam aquela fotografia.
A almofadinha de cetim roxo acomodava a cabeça.
Um fino véu lhe servia de coberta.
A madeira era de melhor qualidade.
Os puxadores de bronze.
Nos quatro círios de prata ardiam velas enormes.
As coroas de flores eram inúmeras.
"Ao Grande Homem Fulano de Tal", "Saudades Eternas"
Tanto esmero, para tudo ir pra baixo da terra.
Um buraco fundo e escuro.
Onde todo luxo é indiferente.
Mas, ele assim, queria.
E assim foi feito.
Para que não viesse puxar o pé de ninguém.

domingo, 20 de setembro de 2009

Grito silencioso.

O que se grita, eu já conheço.
O medo.
Temor.
Quem grita.
O grito preso, no meio da garganta.
Gutural.
Eu quero gritar.
Meu corpo treme.
O ar não sai dos pulmões.
Perdi as forças.
Meu grito não se ouve.
Está parado.
Preso em mim.
Eu quero gritar.
Preciso explodir.
Bradar violentamente.
Urrar.
Só sussuro.
Digo baixo.
Baixinho.
Te amo.
Quando devia dizer amei.
Te amei.
Silêncio.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O que fiz de mim?

O que fiz de mim.
Naõ sei.
O que fiz com minha vida.
Jamais saberei.
As escolhas certas?
Errar muitas vezes?
Que caminhos trilhei?
Onde cheguei?
Se é que cheguei em algum lugar.
Apagada a memória.
Esquecidos os fatos.
O hoje é o senhor.
Presente no tempo.
E eu? O que será de mim?
Sem raiz.
Passado em branco.
O que fiz de mim?
Como me apaguei assim?
Onde deixei minhas feições?
Todos os espelhos se partiram.
Cacos é o que resta.
Quem eu fui?
Ou sou?
Quem ainda serei?
Serei alguém?
Não, não, não sei!
Quem o saberá?
Meu rastro se apaga atrás de mim.
Minha sombra se desfaz.
Meu corpo pútrido
Insípido cheiro.
Carneficina contra mim mesmo.
Meu trêmulo espírito vaga.
E eu que nunca fui nada.
Apenas uma mancha empalidecida pelo tempo.
Espectro do nada.
Assombração do tempo.
Cavaleiro sem pátria.
Sem mãe.
Sem pária.
Vagabundo nômade.
Estúpido homem.
Excremento social.
Biltre vilão.
O que fiz de mim?
Não há resposta sensata.
O eco se cala.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Noites Antigas

Noites estreladas.
Céu enfeitado.
Bandeiras coloridas.
Luzes de uma cidade.
Na praça acontece tudo.
A bandinha toca marchas.
A mais bela de todas passa.
Faceira, cabelos em tranças.
Vestido simples.
Olhos faiscantes.
Eu tenho saudades e vê-la.
Não sei como vive.
Já há tanto tempo que deixei a cidadezinha.
Devia ser velha.
Cabeça branca.
Curvada a coluna.
Eu já não sou mais o mesmo.
Mas, ainda a reconheceria pelos olhos.
Poderiam se passar milhões de anos,
E aqueles olhos não perderiam o brilho.
Sonhava revê-la.
Não será mais possível.
Ela virou uma estrela.
E hoje, brilha.
Enfeita o céu nas noites de festas.
Como no tempo em que éramos meninos.
Ao som das velhas marchinhas.
Sob as luzes e a bandeiras coloridas.
Naquela antiga cidade.
Escondida no fim do mundo.
Onde tudo ainda é como um dia fora.