diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Piruetando

Eu tenho uma espécie de defeito.
Um só não, tenho vários.
Pois, em querendo ser amado.
Me atiro desperadamente ao amor.
E quase sempre, ou sempre caio.
A rede a qual me atiro não me suporta.
É fraca.
O chão me segura.
E machuco-me.
E dói.
Mas eu não aprendo, não apreendo.
Cada dia mais me jogo desregradamente.
Sem medo, sem sentir antes as dores.
Piruetas escandalosas nos meus saltos.
Sempre as faço para aumentar a queda.
Ou talvez na esperança de uma rede nova.
Um novo amor, desta vez correspondido.
Reciprocidade essa que não me chegou.
Meu circo ainda está triste.
Sigo todas as noites dando saltos quase mortais.
E nenhum aplauso ao fim do espetáculo.
Apenas o eco dos meus giros no ar.
Silêncio no vazio que sou.
Espero um dia que meu espetáculo acabe diferente.
Numa enorme salva de palmas.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Ingratidão.

Que bom uma mão que te ampara.
Um braço que te acolhe.
Dedos que te acariciam.
Mas, ao menor movimento de outro.
Tu esqueces todo conforto.
E te mandas ao amor para sofrer.
Cair, mais um vez, se doer.
Ser maltratada.
Talvez, um dia, quando voltares.
Esta mão te possa mais ajudar.
Ocupada com outro salvamento.
E tu te verás sozinha.
Sem quem te ajude.
Não desdenhe de quem te quer.
De quem sonhou em ter-te.
Alguém que por ti sente carinho.
Não sejas ingrata.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Cosmopolita Futuro

Ladrilhos riscados.
Azulejos sujos.
Torrente vermelha.
Cilindro brilhante.
De cacos de vidro.
Figuras enigmáticas.
Formações supra-naturais.
Absurdamente coloridas.
Aboio eletrônico.
De chamar rês robótica.
Agudo som provocado.
Astronômico movimento.
Translação humana.
Rotação rochosa.
Bailado africano.
Rio mexicano.
Caudalosos caminhos.
Cursos albinos.
Trôpegos pés alienígenas.
Luzes febris resplandecem.
Catastrófica canção.
Notas desentoadas.
Tambores cibernéticos.
Trilhos aéreos.
Casas indestrutivéis.
Pequenos fragmentos lunares.
Estrelas cadentes acesas.
Pós-modernos ventos.
Ares futurísticos.
Grades semi-cerradas.
Brechas visionárias do futuro.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Contrariador

Eu que não tenho amarras.
Vivo na contramão.
Atravesso as vidas.
Atropelo os homens.
Vivo numa transversal do tempo.
Num contratempo.
Um buraco no que há.
Eu sou contrário a tudo.
Contrario a vida.
Desobedeço à gravidade.
Passeio no tempo, no ontem,
No amanhã e no sempre.
Sou diferente de todos.
Sou à margem do mundo.
Quebro tudo que está posto.
Não leio regras, não absorvo ordens.
Quero o descampado, o liberto.
O alforriado.
Asas que me levem longe.
Partir sem medo, sem mirar.
Não assentar meu pés nos chãos.
Sempre diverso e múltiplo.
Corrente e desesperador.
Negando tudo que afirmam.
Perturbando às ordens.
Pulando, driblando as vozes.
Sorrindo ao esgar dos choros.
Na via errada, batendo de frente.
Sendo quem sou.
O que sou.
Como sou.
E pra que sou.
Eu.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Meu apartamento.

Como eu queria saber dizer-te o que sinto.
O quanto eu penso e pensarei em ti.
Meu inconsciente projeta-te a toda hora.
Vejo-te como uma miragem de deserto.
Minhas mãos gelam, meu peito dispara.
Por uma cabeça que gira em torno de outro.
Eu bem o sabia quando te vi.
Jamais amarias alguém como eu.
Foi uma tola ilusão apaixonar-me.
Bem sei, mas quem podia não fazê-lo?
Tu eras tão linda, lembro-me sempre.
Olhos profundos, belas feições.
Mãos que laçavam tão carinhosamente.
Voz doce, personalidade forte.
Atraente, cheiro marcante.
Quase a perfeição, quase o céu.
E ao mesmo tempo o inferno.
Com seu calor, sua lascívia.
Sua formosura ardente.
Seus dentes que cravam na pele.
E hoje, onde estás?
Privas o mundo de tua beleza.
Ou já não és mais tão bonita?
Como estás vivendo? Com quem?
Só perguntas e teu perfume no ar.
Impregnado nas paredes do meu velho apartamento.
E eu fico imerso neste mundo.
Tão meu, tão infinitamente particular.
Esperando o dia que voltarás.

Antigamente

Ouvi ontem aqueles discos antigos.
Abri a caixa de fotos amareladas.
Recordei os tempos que não vivi.
Muito antes de mim.
Quantas coisas tentei (re)ver.
Vestidos de baile, rodados.
Sapatos de salto nos tacos do piso.
Brilhantina, jaquetas à moda Dean.
Bailezinhos de família.
Grandes vozes, big-bands.
Tudo tão remotamente esquecido.
Nos velhos baús.
Tudo fora de moda.
Os salões não estão mais iluminados.
Pequenas frestas são a única fonte de luz.
Os grandes casarões estão fechados.
Tudo passou.
Como a poeira que as lambretas levantavam.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Enquanto.

De que adiantou ladrilhar aquela rua?
Mesmo sendo minha, mesmo ficando bela.
Minha amada por aqui não passou.
Nem passará, nem será flor amarela.
Meu buquê de perfumadas rosas murchou.
Não consegui entregar.
Meu pombo-correio se extraviou.
Não chegou ao seu destino.
Minha saudade não bateu na tua porta.
Meu olhos não cruzaram com os teus.
Minha boca já não sabe mais teu nome.
Minhas mãos não conhecem teu corpo.
Eu não consigo deixar de te amar, mesmo assim.
Mesmo que sejas, hoje, para mim, uma figura desconhecida.
Um borrão na minha frente.
Mancha de tinta fosforecente.
Ah, quem me dera poder refazer teus traços.
Como pintor que dá vida à tela.
Que transforma uma superfície branca em cores.
Mas não adianta.
A minha vida passou, você passou em mim.
Você marcou meu corpo. Como uma funda tatuagem.
Que não me largará nunca.
Pregada a mim como uma eterna cicatriz.
Do corte brutal que tu fostes em mim.
E de canto em canto eu digo ao mundo.
O que foi, o que é e o que será meu amor por ti.