diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Sala vazia.

Caminhava naquela sala escura. Conhecia cada centímetro daquele lugar. Corria as mãos pelas paredes frias. Tão sujas como sua alma. A sala estava vazia. A janela fechada. Era fim de tarde. O sol já se ia, levando consigo toda claridade. Ficava ali, agachado num canto qualquer. Onde duas paredes se beijavam. Conseguia ver todos os movéis que estiveram ali, durante tantos anos. As várias mesas, cadeiras, poltronas, tapetes, vitrola, radiola, revistas, cartas. Revia todos os que recebera ali, para longas conversas, noites de música. Cinzas dos últimos cigarros ainda se encontravam pelo chão. A poeira escondida por décadas embaixo do tapete ainda morava ali. As muitas camadas de tinta das paredes impregnavam as sensações. E podia sentir todas. Todas as alegrias, as tristezas. Ainda estava agachado num canto qualquer. Olhava o teto. Sentia ainda o brilho do velho lustre aceso. E ali, naquele momento nenhuma luz existia. Passou a mão no rosto. E se deu conta que assim como aquelas paredes seu rosto também era frio, imóvel, velho. Cheio de marcas do tempo. Cada segundo vivido estava impresso ali, em sua face. Seus cabelos começando a pratear e rarear. Seu corpo refletindo o peso dos anos. Seus passos, antes agéis, firmes, hoje vagarosos e vacilantes. Levantou-se. Encostou-se à janela. Não abriu. Apenas escutou os rumores da rua. Aquela rua. Não conseguiria abrir a janela e não ver mais a rua de sua infância. Estava agora tomada e gigantes de concreto. Seguiu seu percurso pelas paredes, até se deparar com a porta. Corajosamente abriu-a. Saiu daquela sala. E no seu íntimo se sentiu feliz, pois saia pela última vez. Fechou a porta atrás de si, com grande estrondo. Sepultava, ali, naquela sala todo o seu passado. Iria, agora, viver uma nova vida. Andou até a praia. Sentou-se mirando o mar. E ali ficou.

Um comentário:

Karol Melo disse...

Caramba, quase choro no fim desse texto. Muito bonito!

Abraços!