diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

domingo, 26 de janeiro de 2014

[Série] Cartas

Querido,

Te escrevo, mesmo sabendo que não lerás estas tortas linhas. Mas a necessidade de escrever é urgente. Lembro-me de quando nossos olhos se cruzaram pela primeira vez. Eu vestia branco, lembro deste detalhe porque não era comum naquele tempo eu vestir branco, bem sabes que sempre gostei de vestir-me coloridamente, hoje já não tanto, não fica bem, a idade já não me permite tantas extravagâncias nas roupas. Mas quando nosso olhares se cruzaram eu sabia, tu sabias, palavras não foram precisas pra que existisse o primeiro contato de nossos lábios. E assim aconteceu. Tudo foi tão rápido e nos tomou, nos embriagou, nos tirou chão e ar. Mas tudo, como começou, terminou rapidamente. Segui meu caminho e tu seguistes o teu... Já não sei onde andas, com quem andas, como vives, se ainda te lembras de mim... Eu mudei, o tempo me cansou, já não tenho mais aquela vivacidade de outros tempos, empalideci, emagreci, meus cabelos pratearam e meus olhos perderam o brilho. Há momentos em que me pego pensando em ti, imaginando o que fazes, o que fizestes nestes tão longos anos que nos separam daquele último momento onde nossos lábios se tocaram pela última vez e nossas mãos deram-se os derradeiros acenos. Teus cabelos, tuas mãos, teus olhos ainda são os mesmos? Em mim guardo ainda a tua imagem como eras... Sei que já não és assim. Será que mudamos tanto que, talvez, não nos reconheceríamos ao nos cruzar outras vez? É possível que isto já tenha acontecido... Mas de que isso importa? Sei que não tornarei a ver-te, então que me fique a memória de tua jovial beleza que partiu rumo à distância de mim naquela manhã de sábado chuvoso. Não sou triste, espero que também não sejas, vivi o que a vida havia me reservado, mas guardo lembranças de todos que passaram por minha vida, e tu, apesar de uma passagem relâmpago, tens um especial lugar na minha história. Não trago amarguras no peito, isso nos faz pesar, e eu, bem sabes, gosto da leveza, da leveza dos voos dos pássaros, do vento e do céu. Sofri, sim, nos primeiros tempos longe de ti, mas o tempo encarregou-se de me acalmar a saudade e amansar minha alma. E eu fui feliz, sim.

Com afeto,

Alguém que um dia muito te amou.

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