Eu me lembro daqueles dias em que um cheiro nauseabundo
tomava conta da casa. Eram dias em que o silêncio predominava naquela casa
velha, de janelas altas e longos corredores. Tudo ficava em estado alerta, o
silêncio era para evitar que as faíscas se agitassem e provocassem uma
explosão.
Eu era tomado de um enorme asco por você e aquele maldito
cheiro entrava pelas minhas narinas me deixando tonto, minhas náuseas eram
constantes e agravavam-se nos momentos em que eu era obrigado a entrar naquele
cômodo escuro da casa, ou por necessidades fisiológicas ou pela obrigação da
higiene diária. Era o banheiro o foco daquele terrível odor e eu me via
obrigado a ter que entrar ali, nossa casa era muito velha e nos tempos em que
foi construída era regra se ter apenas um banheiro, eram os tempos do reinado
do bidê. Os restos daquele vermelho sangue quando expelido pelo seu corpo
exalavam um nauseante cheiro que se espalhava pela casa, se impregnava nas
paredes, nos lençóis e martirizava-me o estômago.
Aqueles dias pareciam ser mais longos, o meu apetite sumia,
ia passear do outro lado do mundo, talvez. Eu não conseguia sequer te olhar,
embora isso já estivesse tornando uma rotina, nossa relação já estava
deteriorada, sangrava como o seu útero, mas nesses dias a situação agravava-se,
ao menor contado de pele, se por acaso esbarrássemos um no outro no estreito
corredor, um arrepio tomava-me a espinha e eu era obrigado a respirar fundo e
tentar lembrar que dentro de alguns dias tudo voltaria ao normal e aquela velha
casa teria o seu cheiro de mofo e poeira. E o meu apetite retornaria de sua
viagem ao Japão, o silêncio seria quebrado e nós retornaríamos a viver como se
fossemos felizes.