diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O último bolero.

Elevo-mo
Cabeça erguida, não me lembro.
Sei.
Um dia eu fui.
Já não sou mais.
E que cheguem os dias em que todos também não o serão.
Noites de um vento morno.
Abismo, escuro e os olhos postos no velho livro de páginas amareladas.
Marcas que o tempo deixou naquela história de amor impressa em páginas pequenas e numerosas.
As idas e vindas de um casal apaixonado.
Farto! Sim, estou.
E que tudo o mais seja cinza, sobras das brasas que um dia arderam.
Queimaram.
O fogo extinto.
A casa aberta, as janelas azuis e as paredes brancas, caiadas.
Vento que adentra pelos corredores longos e silenciosos.
Era uma vez, eram muitas vezes, que sentado eu lia sob a luz tremulante de uma vela.
Os uivos que habitavam ao redor daquele lar, já não se ouvem mais.
Tudo é calmo e tranquilo.
Como o meu pequeno coração.
As mãos antes quentes, hoje frias, geladas.
O corpo pétreo, na mesma posição de outrora.
Livros empoeirados caem das estantes.
Só.
Nada mais, não sou mais.
Fostes.
As aranhas dominam a casa.
Tecem suas redes, finíssimas, por todos os cômodos.
Até os raios de sol da manhã tem preguiça de penetrar pelos vidros das janelas.
E aquelas paredes conservam umidades e lembranças de épocas antigas.
Deixem tudo quieto.
Toquem um bolero e tudo se resolverá.
Isso basta.
Até.

Nenhum comentário: