diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
Há o instante do silêncio. É apenas o silêncio. Naquele momento as palavras não brotam. O que me resta? Não posso deixar de dizer. Uso assim as palavras de outrem. Porque já ditas há anos e não preciso repeti-las. Deus criou pares distantes no tempo e no espaço. É por isso que existem identificações. Leio-a e de imediato nossas vibrações se conectam. Uso-a para destravar aos borbotões tudo o que ficou em estado pré. Preso na garganta. Em momentos de inação há sempre quem te compreenda. Na perplexidade tudo é vaio. O choro não se materializa. Mantém-se submerso numa alma destroçada pela dor. Deus me dê coragem. Deus? Como se Ele está morto? Não há Deus. Há o instante cravado em que te escrevo. Se te interessares pela minha dor me lerás. Se não meus escritos permaneceram esquecidos. Apenas ostentando o seu verdadeiro título: subliteratura. O que eu quero, depois de um dia inteiro em que nada brotou de mim, além de um nó na garganta, é vomitar todos os sentimentos, em um jato quente e esverdeado. Expurgar todos os males, cuspir todos os demônios que habitam em mim. Não te peço. Já sei que não me atenderás. Economizo palavras. Pois elas me são muito caras. Não necessito de conforto. Já passei por estas mesmas estradas. Conheço o caminho. Sei aonde vai dar. Nada. No nada. Em nada. Levanto, levantarei mais uma vez. Sinto o perfume das rosas. Não são rosas. São flores de defunto. Moribundas flores que já chegam próximas de seu fim. Sou eu um cravo também? Talvez. Palavras que quase não saem hoje. É tarde. Uma hora da madrugada. O sono não vem. O corpo exausto não encontra repouso. Dói. Preciso estar inteiro pela manhã. Difícil. A ideia de um dia inteiro sem ti é ruim. Devo me acostumar. Daqui em diante será assim. Dias sucessivos sem tua presença. E Deus aonde se meteu? Nos sacrários das velhas igrejas deve estar escondido. Deus, mostre-me Teu rosto! Enfrente-me. Diga-me por que não eu? Se todos têm o mesmo direito. Por que eu não posso? Não sou tão Teu filho quanto todos os outros? Há que se viver muito ainda até que se encontre uma mínima resposta para tamanhas indagações. E já não me restam tantas forças como há alguns anos. Estou farto! Quero agora parar de te escrever e a mão não obedece aos comandos. Não, não falo em experiências místicas, espirituais. É impulso, pulsão humana de vida. De morte, sim, muito mais de morte. A que se aproxima. Vou me forçar a parar. Escrevi tanto e não te disse ainda o que eu desejava. E há a possibilidade de que nunca diga. Permanecerá guardada em segredo num dos velhos baús. Lá onde estão escondidas as minhas memórias todas. Se encontrares a chave certa e quiseres abre o menor de todos os baús, o de madeira vermelha e aquilo que quero te dizer saltará, como saindo do meu peito e ouvirás minha voz repetindo uma única frase.
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