diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

domingo, 25 de outubro de 2015

Segue... Seguirei!

O prédio, pequeno, dava para duas ruas. De um lado ao outro.
Eu hoje percebo aquele sinal.
Entrei pela primeira vez pelos fundos.
A porta de trás.
Aquele gesto quase apagado tem agora grande significação para mim.
Eu entrava em tua vida pela porta dos fundos.
Que mais eu podia esperar?
Não, eu não teria o espaço que eu queria em ti.
Seria sempre um serviçal teu.
Tornar-me-ia tudo, menos o teu amor. O teu amante.
Cerrado por detrás das grades tu não me abriste o peito.
O teu coração. Eu desejei, eu quis, eu tentei. Em vão.
Tu te mantiveste impávido. Impenetrável. Pedra.
Eu me desfiz em lágrimas, em dor.
Massacrei minha alma até onde me foi possível suportar.
Enquanto outro amor não me vinha ocupar.
Um dia tudo envelhecerá. O amor, sim.
E eu enfim olharei atrás e já nada será dolorido.
Apenas habitará na minha pele mais uma das inúmeras tatuagens com que a vida marcou meu corpo.
Neste instante, em que escrevo tudo isto, meus olhos marejam e a garganta seca.
Tento gritar para que onde tu estás possas me ouvir.
Mas o grito é mudo.
E pouco isto importa, pois nem me queres mais ouvir. Eu sei.
Que eu me reconstruirei é fato. Embora eu não tenha a menor ideia de quanto tempo isso levará para acontecer.
Hoje só posso silenciar minha dor.
Tentar aceitar que tudo não passou de uma mera ilusão. Um oásis no deserto que é minha vida. Um miragem.
Juntar minhas esperanças perdidas e calar no peito este tão esperado amor.
Findou-se.
Abortado. Terminou sem nem sequer ter começado.
E nosso passos seguiram rumos distintos. Levando-nos cada vez mais longes um do outro.
Ah, meu desejado amor, tanto te quis, te quero e não pude tê-lo.
É hora de dizer adeus e seguir até a próxima esquina em que esbarrarei numa nova ilusão amorosa.
Farto de tão pesado fardo que o mundo me põe sobre as costas.
A ti eu só desejo amor.
Saiba amar, aprenda sobre o amor. Se deixe amar, sem medos, sem amarras, despudoradamente. Impunemente e só assim serás feliz.
Parto. Aproxima-se o outono de minha vida. Breve só me restará o gélido inverno de minha alma.
Viva tua primavera, colha muitas flores pelo caminho. Segue.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Regozijo

A coruja passou rascando por sobre o telhado. Era mais um sinal. Mais um no conjunto de todos os outros que já estavam à minha frente. Tu já havias abandonado diversas pistas no caminho. Eu me fiz de cego. Preferi. Fechei meus olhos para não ver o que já se anunciava. Era o prenúncio do fim. O que já esperávamos estava na iminência de se concretizar. Quando os fatos se tornaram reais eu não pude rejeitá-los. Era o precipício que se abria diante de mim. Era a beira do abismo. Mais uma vez eu me via parado, ali, olhando aquela garganta da Terra que se entrepunha no meu caminho. O que fazer? Mirar atrás era apenas o que restava. Os pés não conseguiam. Retroceder não era possível. Pausa. Naquele instante eu pensei em várias coisas. Mas uma reflexão específica me agarrou por alguns demorados segundos. Questionava-me sobre a importância dos espelhos, eu que nunca tivera muita afinidade com essa matéria reluzente. Pensei no que realmente se refletia naquelas placas. Eu, que pouquíssimas vezes me detive diante de um, sempre enxergava um vazio. Era, talvez, o buraco de minha alma que se mostrava ali, não sei. Quando voltei de meus devaneios, quando a realidade me invadiu novamente, senti que era a hora o passo final. Era chegado o momento em que abandonaria minha matéria em queda livre. Os instantes seguintes eu não sabia como seriam. Mesmo que não fosse aquela a primeira vez em que experienciava aquela espécie de morte. Eu pularia. Morreria. Transcenderia. E, um dia, quando todos já me houvessem esquecido eu ressurgiria. Antes pó, depois matéria, e indefinidamente este ciclo se repetiria até quando a alma realmente se despedisse do corpo. Aquele abismo, aquela morte, tudo era metafórico. Nada estava realmente posto naquele dia. Só uma coisa era real. A tua não-presença. Só a solidão era verdadeira. E por isso eu ansiava por me jogar de cabeça, ser engolido pela imensidão. Para mais tarde ser regurgitado do ventre da Terra. Para, enfim, numa noite quente de quase verão sentar-me em frente à escrivaninha, empunhar uma caneta e rabiscar estas linhas. Onde estás já não sei. E isto pouco importa. Depois de ti já vivi outros amores, já morri e renasci algumas dezenas de vezes. E é sempre tão purificador. É como interromper um gozo bem no meio. Assim, simples. É como encontrar Deus. Você vai, mas não há como contar. Guarda-se em segredo. Faz-se mistério. Tudo é silencioso e elo e grande e regozijante. A hóstia tocando a ponta da língua. O corpo de Jesus tomando o seu. Epifania. Vou, já é tarde para despedidas e arrependimentos. O coração precisa repousar. Os olhos estão cansados e secos. Já não há esperanças. A vida cessa.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Há o instante do silêncio. É apenas o silêncio. Naquele momento as palavras não brotam. O que me resta? Não posso deixar de dizer. Uso assim as palavras de outrem. Porque já ditas há anos e não preciso repeti-las. Deus criou pares distantes no tempo e no espaço. É por isso que existem identificações. Leio-a e de imediato nossas vibrações se conectam. Uso-a para destravar aos borbotões tudo o que ficou em estado pré. Preso na garganta. Em  momentos de inação há sempre quem te compreenda. Na perplexidade tudo é vaio. O choro não se materializa. Mantém-se submerso numa alma destroçada pela dor. Deus me dê coragem. Deus? Como se Ele está morto? Não há Deus. Há o instante cravado em que te escrevo. Se te interessares pela minha dor me lerás. Se não meus escritos permaneceram esquecidos. Apenas ostentando o seu verdadeiro título: subliteratura. O que eu quero, depois de um dia inteiro em que nada brotou de mim, além de um nó na garganta, é vomitar todos os sentimentos, em um jato quente e esverdeado. Expurgar todos os males, cuspir todos os demônios que habitam em mim. Não te peço. Já sei que não me atenderás. Economizo palavras. Pois elas me são muito caras. Não necessito de conforto. Já passei por estas mesmas estradas. Conheço o caminho. Sei aonde vai dar. Nada. No nada. Em nada. Levanto, levantarei mais uma vez. Sinto o perfume das rosas. Não são rosas. São flores de defunto. Moribundas flores que já chegam próximas de seu fim. Sou eu um cravo também? Talvez. Palavras que quase não saem hoje. É tarde. Uma hora da madrugada. O sono não vem. O corpo exausto não encontra repouso. Dói. Preciso estar inteiro pela manhã. Difícil. A ideia de um dia inteiro sem ti é ruim. Devo me acostumar. Daqui em diante será assim. Dias sucessivos sem tua presença. E Deus aonde se meteu? Nos sacrários das velhas igrejas deve estar escondido. Deus, mostre-me Teu rosto! Enfrente-me. Diga-me por que não eu? Se todos têm o mesmo direito. Por que eu não posso? Não sou tão Teu filho quanto todos os outros? Há que se viver muito ainda até que se encontre uma mínima resposta para tamanhas indagações. E já não me restam tantas forças como há alguns anos. Estou farto! Quero agora parar de te escrever e a mão não obedece aos comandos. Não, não falo em experiências místicas, espirituais. É impulso, pulsão humana de vida. De morte, sim, muito mais de morte. A que se aproxima. Vou me forçar a parar. Escrevi tanto e não te disse ainda o que eu desejava. E há a possibilidade de que nunca diga. Permanecerá guardada em segredo num dos velhos baús. Lá onde estão escondidas as minhas memórias todas. Se encontrares a chave certa e quiseres abre o menor de todos os baús, o de madeira vermelha e aquilo que quero te dizer saltará, como saindo do meu peito e ouvirás minha voz repetindo uma única frase.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Dança

Hoje sou nada.
Me tiraram a casa, a cama.
Sem chão.
O vazio é o meu lugar.
Dos piores roubos que sofri foi o teu o mais cruel.
Sem amor.
O frio me abraçou para sempre.
Peguei naquelas mãos gélidas e longas.
Dançamos um dança de volteios e rodopios.
Não sabia de fato, apenas intuía que aquela dança me conduzia ao fim.
Na morte.
E eu deixei-me guiar até o último instante.
Pouco me importava.
Já não era nada. Já não possuía nada.
Todos os meus investimentos foram fracassados.
Fui um total perdedor na vida, no jogo que é a vida.
Não, a vida não é sonho.
Paraísos não existem.
Apenas habitamos o caos cósmico do grande poder universal.
Exaurido de tudo rodava naquele salão.
Meu corpo era tomado por uma letargia.
E eu não opunha resistência.
Conformado fui.
Até o fundo. Até o fim.
Adeus...

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Emergência de um poema

Quando não há mais o que escrever a pena repousa sobre o papel branco.
E tudo cessa.
Não haverá mais versos de dor nem de amor.
Findou-se o impulso que regeu a mão.
Extinguiu-se a vontade.
A vida é uma emergência.
Não há mais tempo de deitar-se horas sobre letras.
Vive-se.
E, talvez, à frente surjam novos versos.
Novos poemas.
Por enquanto nos olhamos e nos amamos.
É o que devemos fazer.
Sem muitos temores, sem demasiadas teorizações.
Vivamos.
É o que está certo.
Amor.