diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Batidas.

Os nós dos meus dedos estão doídos, de tanto bater na surda porta.
E tu, atrás dela, fingias não ouvir.
Quando cessavam minhas batidas ouvia tua ofegante respiração.
No silêncio profundo que se instalou, era possível ouvir tuas lágrimas caindo ao chão.
Eu sei que me querias do mesmo lado da porta.
Mas, teu orgulho foi maior.
E ficamos separados, eternamente, por uma dura e resistente placa de madeira fria.
Assim nossas vidas seguiram caminhos opostos.
Sempre.

sábado, 19 de junho de 2010

Da vida.

Guiado pela linha mais forte de minha mão,
Que aqueles pequenos olhos verdes me disseram ser meu destino,
Eu vou.
Sem amor, dinheiro ou vida longa.
Sigo na minha labuta.
Fazendo o que ainda sei fazer.
Não sei até quando.
Onde, como ou por que.
Sabendo que todos serão esquecidos.
Um dia.
Eu também.
Nada restará nas lembranças de cabeças alheias.
Quando penso em mim, sinto um vazio.
Um nó no peito, amargo na boca.
Eu apenas trabalho.
Vivo.
Sem muita preocupação.
Apenas.
Ninguém foge do que está traçado.
Marcado em vincos.
Desenhado nas mãos.
Em todas as mãos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Grito parado.

Eu tenho um nó na garganta.
Uma coisa atravessada.
Um incomodo eterno.
Verborragia travada na glote.
Um grito pela metade.
Sons reprimidos na laringe.
Vontade de expelir essa dor.
Um vazio para ser preenchido.
Pelo som alto e estridente dos gritos meus.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Era...

Era o silêncio.
Era a quietude de um campo vasto e verde.
Era o azul de um céu ensolarado.
Era o que queria, desejava, ansiava ser.
Era o silêncio.
Era a igreja dourada vazia e solitária.
Era o tempo.
Era o caminho mais belo de todos os caminhos existentes no mundo.
Era o vermelho mais bonito de todas as rosas.
Era a vida seguindo seu curso.
Era o que era.
Era só.

Discos, poeira e pó.

Sentava-se, quieta, ligava sua vitrola, colocava um disco antigo, a voz afinada saia. O som impuro, ruídos. O disco girava, girava, girava. Dor-de-cotovelo, tocava horas sem parar. Samba-canção. Discos arranhados, agulha limpa. Girava, girava, girava. Os pequenos sulcos gravados no vinil, códigos indecifráveis. Músicas belas, de tempos idos. Naquele cômodo escuro, marrom, úmido. Grandes vozes por ali habitavam. De quem ninguém mais sabia a existência. Só ela. Saudosa de tudo. Era assim. Ela e seus discos. O cheiro de pó, guardado. Suas prateleiras tão cheias de antigos discos. Girava, girava, girava. O mundo redondo e negro, selos. Um furo no centro. Entre uma faixa e outra apenas o ruído da agulha contra a superfície de plástico. Nomes apagados das memórias. Apenas ali, naquela casa, saudosista, reinavam, como nos áureos tempos das grandes vozes do rádio. Era assim. Era ela, os discos, as vozes, a vitrola, o ruído.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Dias felizes...

Todos os dias ela sentava em frente à televisão, tomando seu leite quente, num copo de vidro barato e pensava na sua solidão. Seu corpo era mirrado. Como de criança desnutrida. Suas mãos ossudas e de dedos longos. Seus pés, já deformados, pelos sapatos velhos, gastos e apertados. Vestia sempre uma camisola florida, de margaridas rosas. O cabelo sempre muito bem penteado, já começava a rarear. A vista fraquejava, ou talvez fosse culpa da fraca lâmpada que iluminava o ambiente. A janela sempre aberta, deixando entrar a leve brisa das noites estreladas. Em época de chuva, não sentava, não tomava leite quente, não vestia a camisola, não pensava na solidão. Deitava-se cedo. Perdia-se em lindos sonhos coloridos, se entregava alegre por longas noites. Era feliz.