diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Apodrecimento

Cronos, fazei chegar o tempo do meu apodrecimento.
A ordem natural das coisas deve seguir.
Brotar, desenvolver, amadurecer...
Apodrecer.
Átropos, cortai-me o fio tecido por tuas irmãs.
Entegue-me a Tânatos.
Já pouco careço de viver por aqui.
Que me chegam as chagas que carrego há anos neste desterro.
Meus pés cansados já não têm firmeza.
O corpo arqueia, fraqueja.
Não quero, não quero.
Hermes me guiará no caminho final.
E lá no Hades encontrarei o que me estará destinado.

O último reino que habitarei.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

À beira-mar

Meus olhos quase não acreditaram.
Quando já não esperava te rever surges no espelho retrovisor.
Um momento de grata surpresa.
Uma alegria me invade.
Meus braços são pequenos para os abraços que guardei por tanto tempo.
Meus lábios não comportam tantos beijos.
Seu sorriso é como um raio do sol de seu lugar.
Todos os carinhos são poucos para demonstrar minha felicidade.
Um reencontro à beira-mar.
A brisa do Atlântico nos envolve, o mar e o céu cheio de estrelas são testemunhas.
Sim, ter-te novamente junto a mim só confirma:
Você está em mim.
Sua mão na minha mão.
Nossos calores unidos.
Meu coração pulsava ritmado com a arrebentação.
Tudo era lindo e real.
Nossos afetos existem.
Energias que irradiam.
Um momento que guardaremos com docura.
Confirmações de que tudo vale a pena.
Seu cheiro, seu corpo, são iguais à primeira vez.
Te beijo.
Sigamos, inteiros.
Sabendo que cada um leva em si uma parte do outro.
Até.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

O sonho de Ícaro

Asas.
O que desejo ter para ir ver-te.
O sonho de possuí-las para perto de ti estar.
Que sejam feitas de cera e penas.
Quero tê-las.
Para junto a ti chegar.
Asas que me levarão até o sol que és para mim.
Asas para voar sobre o mar e enxegar-te próximo.
Que teu calor não as derreta.
Que tuas águas não as façam mais pesadas.
Asas leves e ágeis.
Para que rapidamente toda distância que nos separa suma.
Vôo ate onde me esperas.
Vou até os teus braços que ansiosamente me abraçarão.
E daí em diante já não precisarei delas.
Nao haverá mais em mim o desejo mitológico de possuir asas.
Serei da terra, raiz fincada em ti.
Já não sonharei contigo, com teus beijos.
Tu estarás junto de mim, teus olhos me olharão com milímetros a separá-los.
Teus lábios e os meus estarão colados.
Em longos e eternos beijos nos consumiremos.
E voar já não será mais necessário.
Pois tudo que preciso está em ti.

domingo, 12 de agosto de 2018

Paixão de ser tão


a Í.A., minha paixão de ser(tão).

Meu peito estará sempre pronto para receber tua cabeça.
Deita-te em meu colo e absorve o meu calor que se funde com o teu.
Calores que se misturam com o clima de teu lugar.
Minhas orelhas estarão sempre prontas para receber teus lábios a acariciá-las.
Meu pescoço quente desejará eternamente tuas mordidas.
Meus braços sempre comportarão teus abraços.
Meus olhos sempre te verão com alegria.
Teu sorriso sempre me afagará o peito.
Nossos corpos juntos emanarão o calor deste lugar.
Lindas lembranças de momentos doces e risonhos.
Mil carícias que trocamos, beijos que sentimos.
Estarás sempre marcado em minha pele.
Tu em mim, como marca de uma rápida paixão de final de inverno no sertão.
Ser tão, ser tanto. Seremos.
Serenos.
Tua mão em minha mão.

Fulgaz

Dois átomos se encontram.
Rapidamente estas duas matérias distintas se fundem em um único corpo.
Por milésimos de segundos são como uma grande explosão cósmica.
Dois extremos que se unem em uma rapidez surpreendente.
Coisas de energia que apenas a Física explicaria.
Separar estes átomos é difícil, é doloroso.
Quando haverá no Universo outro pequeno momento em que estarão reunidos outra vez?
Dois corpos diferentes que viram um só.
Lavar o corpo é tirar-te de mim.
Partir é deixar uma fração de mim aqui.
É levar em mim um pedaço teu.
Mas os caminhos devem se afastar.
E pacientemente devemos esperar outro momento fulgaz de reunião atômica.


quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Saudade

A palavra que aperta.
Hoje acordei e pensei em você.
Ouvi uma canção do Caetano e lembrei de você.
Um perfume me passou e era o seu.
Seus cabelos que exalavam um cheiro bom me fazem falta.
O seu corpo quente junto ao meu, é hoje apenas uma lembrança. [Não mais encontrei outro corpo que se fundisse tao bem ao meu como o seu.]
Minha cabeça no seu peito já não pesa mais.
Seus pelos enroscados junto aos meus ficaram para trás.
Meus olhos fitarem os seus, de perto, já não podem.
Passar horas desenhando seu corpo nu com meus dedos que buscavam guardar no tato os contornos de sua figura é coisa do passado.
Você meio desconcertado me perguntando o que era que eu olhava quando parava e ficava apenas admirando parado a sua figura desnuda sobre a cama de lençóis brancos.
As imagens de sobrepõem aumentando o aperto dentro de mim.
É tudo saudade.
O que foi, o que não foi, o que poderia ter sido.
Saudade. Saudade.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Ventania

A F.N.



Abri a janela e te deixei entrar.
Você veio brisa.
Morna brisa de verão.
Cheirava bem, muito bem.
Te deixei arejar todos os recantos de minha alma.
Aberto para que você entrasse estava meu coração.
Calmamente ocupastes todos os meus cômodos.
E eu era cheio.
Refrescado pela tua brisa.
Não sei em que momento tudo virou.
O tempo fechou.
E de repente eras ventania.
Tufão, tornado, furacão.
E saiu.
Batendo as janelas.
Bagunçando a minha alma.
Transtornando minha paz.
Descabelando. Jogando ao chão tudo que estava em ordem.
Olhei e te vi distante.
Longe, longe, tão longe como se nunca perto antes estivestes.
Fiquei, remexido, desordenado.
Janelas estão hoje fechadas.
Tento por ordem na casa.
Na vida.
Na alma.

terça-feira, 12 de junho de 2018

Para que ser livre?

O meu corpo é livre.
Mas dentro dele habitam medos.
Em meu corpo vive uma alma aprisionada por pele, músculos, ossos.
Uma prisão orgânica.
Dentro do peito, preso, pulsa um coração.
Que mesmo aprisionado é cavalo solto nos prados.
Galopeia desembestado nos verdes campos.
O meu coração é dentro, mas quer ser fora.
A alma que se espraia por toda minha extensão corporal é sufocada por este mesmo corpo que é refúgio.
Seu alento e seu algoz.
Nesta prisão a minha 'anima' espera o dia de sua libertação.
O grande dia de sua soltura.
Quando cruzando os portais dessa assombrosa cadeia estará definitivamente liberta.
Quem sabe, talvez, a mão que acarinha tome decididamente um instrumento qualquer e de súbito adiante esta libertação.
Liberará a alma deixando uma prisão desocupada, que em pouco tempo se deteriorará e não mais será habitada.
E enfim deixarão de existir os grilhões que tanto fazem a vida pesar, que fazem-nos arrastar o seu peso deixando vincados os sulcos na terra.
Não haverá mais o medo.
E tudo será imensidão.
Tudo será leve, será infinito.
Livre.

segunda-feira, 19 de março de 2018

aforismo

tenho medo de quase tudo.
o pouco de coragem que me resta
é para amar.
despudoradamente.

sábado, 3 de março de 2018

Vive-se de amor.

Se um dia me perguntarem qual o cheiro do amor, eu direi que cheira a jasmim.
Quando florido exala seu perfume nas tardes de fim de verão.
Anunciando que o sol dará lugar ao céu cheio de nuvens.
Grossas nuvens que vêm assumir seu lugar na abóboda.
O amor é assim.
Antes raios vibrantes de um sol que aquece o coração.
Depois é silêncio e chuva.
Lembro de tudo. Não esqueço todos os momentos.
Eis o mal de se ter uma boa memória.
Hoje só perguntas ecoam em mim.
E eu estou pensando em você.
Mas eu não desejo falar de amor.
Se falo é porque só sei viver de amor.
Como numa monótona música.
Eu só sei viver para o amor.
E onde está?
Um dia eu sonhei. E o sonho me permitiu inúmeras realizações de desejos.
O que a realidade me coibiu o sonho me deu.
Quando pensei que tudo era verdadeiramente realizado, acordei.
E os sonhos se desfizeram na bruma do tempo.
Estou farto de só sentir.
Eu prefiro viver.
Mas a vida não me presenteou com a realização dos desejos mais profundos que acalentei por toda vida.
Entre todos os caminhos que a vida me ofertou eu sempre optei pelos mais longos.
Um esperança de no fim encontrar.
Não sabia bem o que buscava.
Apenas buscava.
E um dia dei por mim e vi que tudo o que eu buscava era tão somente me encontrar.
Precisei andar muitas distâncias para enfim poder entender.
E sentei-me à beira do caminho, vendo passar outros errantes, que como outrora eu fizera, andavam perdidos nas trilhas que não levavam a lugar nenhum.
Um eterno e infindável labirinto que não nos permitia derrubar suas paredes e correr.
Correr loucamente nos campos do mundo.
Quando sofri, sofri calado. Resignei-me sempre. Sem questionar o sentido de tudo.
Nada faz muito sentido na vida, essa é a verdade.
E todos as peças vão se encaixar no fim.
Quando menos esperamos todas partes serão encadeadas, numa sequência cinematográfica tudo percorrerá na nossa frente.
E é a hora dos créditos finais.
As luzes se acendem e a audiência vai tomar um sorvete, vai a um bar, vai simplesmente dormir e já não estamos aqui.
E tudo há de ter fim. E tudo tem, sim, seu fim.
O peito é estufado ao máximo, os pulmões quase não comportam tanto ar.
Inflados, voamos. Como um pequeno balãozinho cheio de hélio subimos, subimos, subimos até nos perdemos das vistas.