diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Decidido.

Era dia, fez-se noite e ele chorava sem parar. A mãe já não sabia o que fazer ou dizer. Pensavam em mandá-lo ao estrangeiro. Estudar fora ajudaria a desfazer sua angústia. O menino tinha de 17 para 18 anos. Bem nascido, uma criança forte, não teve catapora, caxumba, nem sarampo. Era um verdadeiro touro. Mas o tempo foi passando... E ele cresceu. Quando tinha perto de 15 anos, estudava num colégio de padres, era obrigado a assistir missa todos os dias. Começou a ter febres matinais, que passavam depois do horário da missa. Formou-se no colégio. Abandonou os padres. Suas febres repentinas passaram. Ao cruzar os portais do internato. E sua mãe confirmou suas suspeitas. Causava ele próprio a febre, com alho, para não mais assistir as missas cantadas em latim. O seio familiar recebeu com afeto, fazia anos que não vivia diariamente com a família. Seu pai um rico empresário, rude, mas um homem de porte garboso, não o queria um dotourzinho qualquer, queria mandar-lhe à Capital estudar medicina ou engenharia. Ao saber da notícia chorou, afirmou que se mataria, não queria mais deixar os cuidados da afetuosa mãe. Não, definitivamente não queria mais deixar o lar. A mãe, que tanto sentira a falta do filho também não queria cumprir as ordens do pai. Tentou interceder pelo filho junto ao velho. Nada feito. Embarcaria no trem dentro de cinco dias para a capital. Nos dias que ainda permaneceu em casa definhou como uma planta sem água. Chorava noite e dia, dizia a mãe que se saísse daquela casa não voltaria vivo. A mãe acreditava que tudo não passava de espalhafato. Que em pouco tempo na capital se acostumaria e não mais quereria voltar ao interior. Chegou o dia do embarque. Lágrimas, despedidas, uma tristeza só. A família esperou para ver os resultados da viagem. Chegou a primeira carta, agradecia ao pai, a oportunidade de poder conhecer outra vida, uma vida agitada, com bondes, lojas de produtos importados, uma festa. Outras cartas se seguiram, todas no mesmo entusiasmo. Cada uma que contasse uma passagem fantástica de sua vida na capital. Até que seis meses depois chegou uma carta num envelope preto. Todos ficaram assustados. A mãe como de costume trancou-se no gabinete para lê-la. Ouviu-se, menos de cinco minutos depois um grito de dor. Abriu-se a porta do gabinete, encontraram-na desesperada. O pai correu para ler a carta. Seu filho contava que todas aquelas cartas contando maravilhas eram falsas, as havia escrito inventando todas as passagens, postou-as no correio, com uma ordem para soltá-las à família de quinze em quinze dias, ele ia matar-se, mas não queia que soubessem de imediato, a última deveria chegar seis meses do seu desembarque na capital. Ele na realidade já estaria morto, atropelado por um bonde. Enterrado como indigente. No fim da carta, agradecia ao pai por tê-lo mandado de encontro à morte. E assim cumpriu-se a sua ameaça. Não voltou à casa nem mesmo depois de morto.

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