Preciso escrever. São quatro horas da manhã.
Vejo a janela, a cidade toda acesa aos meus pés.
Tenho vontade de correr por entre os prédios. Talvez conseguisse.
Se meus pés me obedecessem. Não tenho controle sobre meu corpo.
Nem tão pouco sobre minhas mãos. Que digitam rapidamente.
Letras aleatórias que vão formando palavras que meus lábios não conseguem dizer.
Apenas graficamente representá-las no papel. Que papel? Se escrevo num computador.
Rendendo-me à tecnologia que afoga o mundo capitalista do século XXI.
Preciso escrever, cada vez mais, mais rápido, mais desordenamente.
Textos, peças, poemas, poesias, rabiscos. Tudo que contiver palavras.
Quero expressar todo o meu complexo ser. Complicado viver. Eternamente confusa mente.
Eternamente absorto no meu mundo interior. Não sei se autista. Ou artista. Eu apalermado.
Inconscientemente escritor. Conscientemente nada. Fragmento externo de uma célula interna.
Constituinte de uma geração alienada. Vertente diferente para mim busquei. Talvez superior.
Não sei! Talvez inferior. Também não o posso dizer. Apenas realizante para meu ser interior.
Inteiramente entregue ao difícil ofício de representar. Não só na dita vida real. Mas também nas vidas ilusórias as quais a profissão me permite. Sonhar hoje, dormir amanhã, ser o presente.
O momento existente entre o abrir e o fechar das vermelhas cortinas dos meus diversos palcos.
Luzes brandas ao fim, aplausos calorososo, mesmo que de um único assistente. Personalidades que me ensinam a como viver, e também como não se viver. Apenas estão lá mortas, esperando uma alma que as faça viver. Personas que visto como uma mão calça uma luva. Parcelas de vidas que adquiro e somo à minha vida. Vidas que trago arraigadas em mim.
São quase quatro e meia da manhã. A luz vai subindo, a lua vai perdendo seu brilho e fulgor.
A cidade vai se apagando, recebendo aos primeiros raios da manhã. Eu ainda estou assim. Estático, escrevendo em frente ao computador. Penso em não mais viver.
Tive pensamentos nefastos. Pensei em findar com tudo.
Não o fiz. Parei, pensei, como sempre, em quem me rodeia. Não tive coragem.
Por que minah vida é tão cheia de negações? Senti um frio me tomar. Ao vento da manhã.
Vem chegando o dia, meu maior inimigo vai reinar impunemente no céu.
A lua perde seu posto, cai no ostracismo até a hora do vilão se retirar do firmamento.
Trocas diárias. Que me enervam. Só durmo de dia, pois tenho medo do escuro.
E como não tenho nenhum braço pra me confortar não durmo a noite.
Minha cama é muito grande. Meu corpo se perde, como uma agulha no palheiro.
Imerso em sonhos que nunca se tornam reais tento dormir.
A janela ao meu lado parece se mexer. Tive um sobressalto. Suspirei.
Vi mais uma dúzia de janelas se apagarem. Estrelas sumirem.
Alvas aves gorjeiam. Irritantemente.
Buzinas e ronco de motores vão se fazendo ouvir.
E eu não penso em parar de escrever. Meu interno quer saltar corpo a fora.
Tento conter todos os meus impulsos criativos.
Vontade de gritar, correr entre as ruas agitadas da cidade, bater nas pareder.
Quebrar vidros, espelhos, rasgar cartas, queimar fotos. Destruir livros.
Remexer nos baús antigos e fazer extinguir-se todo e qualquer vertígio do passado.
Seja ele remoto ou não. O ontem já devia ter-se apagado de mim.
E tudo fica pregado na minha pele como uma tatuagem indesejada.
Vontade de beijar os tijolos que me sustentam. Arquétipos de um protótipo de ser humano.
Não tão humano, desejos e sentimentos animalescos. Atitudes comedidas.
Desmedidas idéias. Apenas idéias. Ações discretas. Chamativas afirmativas.
Minha cabeça roda. Tenho fobias inexplicáveis. Tenho horror a tudo que faça medo.
Tive, um tempo, medo do amor. Acho que ainda tenho. Me entrego, jogando a vida toda pro alto.
E perco tudo, tudo se quebra ao voltar ao solo. Até eu me quebro. Fico desregrado. Desmedido. Irreal, surreal. Neoliberal, socialista, marxista, neoclássico. Toda e qualquer qualificação político-social-artística. Nada e tudo ao mesmo tempo. A voz que é a fricção entre o tudo e o nada.
O ser e o não ser. Yin e Yang. Jeans e camiseta. Aos gritos de "Pega, Mata e Come". Onde queres algo sou totalmente diferente. Sou igual a você, eu nasci pra você. Sou Pessoa na Bahia. Sou Lispector na Rosa-dos-Ventos. 1971, eu nem pensava em ser vivente. E ela brilhava livremente. Com censura, e ela lá. De negro. E viva. Gritando pela liberdade. O que a deixa feliz. O que nos deixa feliz. Somos filhos de Iansã. Rainha dos Ventos, Raios e Tempestades. Tempestuodo Orixá. Filhos seus são rascantes. Marcantes. Lancinantes.
São seis da manhã. O medo me toma por completo. Tenho que parar de escrever. Desligar o computador. Deletar o texto. Não guardar nada dessa infernal madrugada. Indo me esconder do dia que brilha livremente na cidade. E me aflige. Paro agora, pois não devo continuar. Pelo menos agora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário