diário, escritos, rascunhos, pulsações de uma vida quase completa

sábado, 17 de dezembro de 2016

Não há.

Cavou-se em meu peito uma sepultura.
Amores foram enterrados uns sobre os outros.
E que restou? Cinzas.
Quem amou fui eu.
E nunca recebi.
Quem amei, de fato e de direito eu amei.
E em troca o vazio.
Em meu peito cavaram, cavaram.
Um grande buraco se formou.
Cratera gerada pela ausência.
De corpos para amar, ausência de mãos que não me acariciaram.
Ausência de sexo.
No meu peito-cemitério reside o meu coração-sepultura.
Ah! Solidão que tanto me acompanha, és tu, serás tu, minha eterna companheira.
Em mim, de mim, pouco restou.
O oco, o eco.
Vazio, tristeza, derradeiros sopros de uma vida se derramamento, de arrebatadoras paixões.
Violentos sentimentos que destroçaram body and soul.
Onde cavarei minha última morada?
Em que peito-cemitério serei enterrado?
Terei direito ao descanso em solo sagrado?
Em que corpo santo serei sepultado?
Dêem-me o descanso eterno.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Quando

Quando for silêncio terei saudade do barulho.
Quando for velho terei saudade da juventude.
Enquanto estou aqui não sinto nada.
Vivo.
E isto me basta.
No presente do presente estou atento para que no futuro o que presente seja uma memória do passado.
Na eterna expectativa do que virá.
Do devir que é agora.
E já não é o instante em que escrevia a linha anterior.
Os versos saem.
E o futuro se concretiza no papel.
Quando comecei este traço era futuro.
E agora já é passado.
O instante incapturável é o fugidio estado presente.
Que efetivamente não existe.
Ele é transitório e efêmero.
Como nós também somos transitórios.
Pois amanhã (futuro) posso já não ser.
E o que é o quando?
Se nada é de fato estanque e imutável.
Eu sei.
Já não me peça explicações.
Sinta.
E quando for, assim, será.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Quando dormem os homens?

Todos os dias.
Os dias todos.
Cada vez um novo vinco.
Uma nova nervura.
Cada vez menos brilho e viço.
Quando me vejo.
Já não me reconheço.
Onde?
Que espelho refletirá o que há?
E não o que aparento.
Cada dia.
Todos os dias.
Quantos dias ainda restam?
A estrada já se anuncia seca.
Será o fim?
Ou o retorno?
Tudo se acaba como começou.
E o findo será infinito.
Eterno retorno que sempre se mostrará diferente.
Não é mais e é ao mesmo tempo.
Todos os dias, o ciclo.
O sol.
E cada dia menos chão.
A terra.
E sempre e só e vazio e criminoso.
A ponta que aponta na direção de lá.
Quando?
Em que face eu me verei?
Quantas faces eu terei ao chegar?
Já nem sei mais.
Eu vou.
Perdendo, ganhando, ora sou herege ora santo.
Sou carne e alma.
Body and soul.
E já serei pó.
Silêncio de pássaros de bicos fortes.
E quando?
Um dia me bastará.
E de repente já não serei ajuntamento de sangue, músculos, ossos, derme e líquidos.
Em minha incompletude completarei o a trilha de tudo que há para ser vivido.
E tudo, então, terá valido a pena.
Numa tarde ou numa manhã, quem sabe numa noite, já não habitarei.


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Tanto

Tanto tempo passou...
Tanto mar correu...
Tanta água caiu...
Tanta lágrima...
Tanto silêncio em meu coração...
Tanta saudade...
Quanto tempo passou?
De fato não sei.
O mar ainda corre.
A água ainda cai.
Lágrima, mais nenhuma.
Silêncio em meu coração, ainda.
Saudade já não há.
Nossos caminhos tão díspares hoje.
E tudo se acalmou.
O amor arrefeceu, se dissipou.
Fiquei.
E já não sei (tampouco quero) amar.
Vivo. E isto me basta.
Já não quero mais nada além de mim.
Eu sou.

domingo, 17 de julho de 2016

Baticum de Fevereiro

Bate e fica.
Vai e não volta.
Samba, requebra, rebola.
Baticum, bate tambor, anda.
Vai e fica.
Bate, quilombo.
Tenras carnes de coxas.
Pés descalços no chão de terra.
Bate, levanta poeira.
Sambe, semba, samba.
Bate, bate, rebola, requebra.
Bate onda do mar, que quebra, requebra doce e bela.
Espuma e sargaço do mar.
Vem, vai, bate, rebenta.
Rebento de terra morena.
Samba, semba, sambe.
Toca viola, chora viola.
Risca faca na louça, é festa, é fevereiro.
É dois, são rosas brancas, festa no mar.
Espelho, presente, perfume e flores.
Samba, samba, samba.
De adentrar pela noite o barulho, do prato, dos pés.
O barulho do mar quebrando nas pedras.
É festa, é fevereiro, é dois, dia de mar, dia de agradecer.
Bate, rebate, requebra, rebenta.
Saias rodadas, brancas batas, torsos de seda.
Colares de contas, muitas, contas.
Samba, semba, semba, sambe.
É festa, é terreiro, é luz na candeia.
Viva a voz, vivas, vivas.
Requebra, rebenta, dona dos cabelos negros como o negrume da noite.
Chora viola, risca faca.
Vivas, é fevereiro, é lavagem, é festa!

sábado, 16 de julho de 2016

Quantos?

Quantos homens estão dentro de mim?
Quantos braços fortes construíram paredes, muros e palácios?
Quantos desgarrados morreram assolados pelas misérias do mundo?
Quantos se perderam nas estradas da vida?
Quantos homens estão dentro de mim?
Quais foram meus antepassados que nestas terras aportaram?
Que trilhas cruzaram para estarem aqui há séculos atrás?
Que amores foram sufocados em porões de navios?
Quantos peitos derramaram leite em bocas miúdas?
Quantos gritos foram silenciados sob o jugo de açoites?
Quantos homens estão dentro de mim?
Quantos foram os que verteram seu líquido seminal para construir este povo?
Quantos ventres geraram estes filhos da pátria?
Quantos nasceram mortos de olhos abertos e assustados?
Quantos homens estão dentro de mim?
Quantas mãos se erguerão para me acusar?
Quantos golpes e tiros serão necessários para me derrubarem?
Quantos serão os que me levarão a última morada?
Quantos chorarão a minha morte?
Quantos?

(Dizia a mulher vestida de negro, cabelos presos em coque, em pé, no meio da praça.).

sexta-feira, 20 de maio de 2016

passado

vai-e-vem
tanto foi que nunca mais voltou.
foi.
não vem mais.
nunca virá.
vai e não vem.
passou.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Réquiem para um quase amor

Ruas desertas
Estradas poeirentas
Naufragados barcos
Adormecidos sonhos
Tudo o que sou
Ou tudo que sobrou de mim
Em outras bocas te procurei
Usei teu nome para te sentir
Teu perfume não esqueci
Era o desejo falando
Querer-te e não ter-te
Um dia qualquer e já não estavas
Isso nunca entendi
Sofri, chorei, pelo que nem sequer fomos.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Lassidão
Mansidão
Coração
Solidão.
Onde está tua mão?

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Vileza

Decididamente eu quero cada dia mais estar desconectado das pessoas.
O sentido de amar não é igual para nós.
Eu sou cada vez mais concha, ostra, sei lá.
Algo hermético.
Tanto fechado, casulo de mim.
E não. Não, não pretendo deixar de sê-lo.
Tuas palavras, vazias, de sentido, de sentimento, palavras mentirosas.
Juras, planos e castelos de areia.
Levianos sonhos me fizeste sonhar.
E tu? Tu te rias de mim.
Como idiota, palhaço num picadeiro inexistente.
Era isto o que fazias de mim.
Um brinquedo, bobo, tua diversão para curar tuas feridas de outro amor.
Não, não me clames perdão.
Isto eu não te posso dar.
Sou humano, sou.
E é ínfimo o tempo passado.
As tuas garras ainda estão cravadas em mim.
A tua ausência ainda é muito patente.
O teu sorriso ainda brilha na minha memória.
O mais belo dos sorrisos, com seus olhos miúdos, apertados.
Idiota!
Fui, sou.
Escarnecias de meus sentimentos.
Foste cruel.
E quando já te havias curado nem olhaste atrás.
Cruzaste as ruas para longe de meu coração.
Antes tiveste ido porque já te havias curado.
Quão tolo eu fui!
Partiste ao primeiro sinal de teu antigo amor.
O que será de ti?
Pouco me importa.
A mim, quero que saibas, já não me terás. Nunca mais.
Castigo para mim ou para ti?
Não sei.
Apenas ergo-me com o pouco de dignidade que me resta e te esqueço.
Sim, te apagarei da memória para sempre.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Autorretrato

Há dentro de mim um silêncio ensurdecedor.
Sou oco e todo meu corpo ressoa este barulho.
Leva-me às raias da loucura.
Quando defronto-me com minha figura no espelho já não tenho forças.
O que resta de mim é uma carcaça velha coberta de uma pele ressequida pelo tempo.
Este encontro é sempre dolorido.
Olhos nos meus próprios olhos e os meus olhos reais penetram na alma refletida naquela superfície.
Invadem-na aqueles olhos duros e secos.
O silêncio está em mim.
Lentamente, como não acreditando que tal figura exposta em suas vísceras corresponde ao que eu sou hoje, levo minhas mãos ossudas à face esbranquiçada.
Tateando-a em toda sua extensão.
E percebo que de fato eu sou aquilo.
Aquele corpo quase inerte, um meio fantasma.
Uma espécie assombração a vagar.
Um grito agudo me perfura os tímpanos.
E eu recobro os sentidos à realidade.
Vejo que o mundo ainda está lá.
Por fora daquelas paredes.
O barulho é tranquilizador.
Mas o silêncio ainda está em mim.
E.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Não esperes que o teu peito derramado em prol de alguém venha um dia reverter-se em gratidão.
Não anseies por receber a mão estendida outrora na hora de tua queda.
Não acredites que o amor que um dia devotastes seja retribuído à altura.
Não deseje um ombro em que possas chorar como choraram no teu.
Não queiras que te façam sorrir como tu fizestes aos outros.
Não penses que tudo o que vai volta.
Muitas coisas se perdem no caminho.
Nestas vias de mão única em que caminhamos na vida.
Só são tuas as tuas emoções.
O mais é interesse e egoísmo.
Crueldade e vileza.
Solidão e o escuro no vazio do mundo.

domingo, 3 de abril de 2016

Sim, passou.

O tempo que passou.
Tentei prender os instantes que eram nossos.
Mas o volátil daqueles momentos não pude capturar.
Uma fotografia não é nada frente aos instantes que vivemos.
O tempo que passou já anda distante.
E esta distância se fragmenta em vários caminhos tortuosos que trilhei desde então.
Naquele único segundo em que fechei meus olhos tudo mudou.
O céu ficou mais perto, o sol ficou insuportavelmente quente.
E tu? Tu desapareceste como num truque de mágica.
Artimanhas do tempo.
Um rápido movimento e já não estavas junto de mim.
Que lentos passos eu dei em seguida.
Meus pés pesavam toneladas.
Arrastei-me para fora de mim.
Desabitei meu corpo por longos dias.
Era o tempo o único remédio possível.
E ele passou. Passou seu bálsamo sobre minha pele, minhas feridas.
Acalentou-me em seus braços de vento.
Embalou-me com suas cantigas de tic-tac.
O tempo que passou... Sim, o tempo passou.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

de nós.

Entre um espasmo e outro o silêncio.
Na minha cabeça ressoava um última e dooída frase:
O que restou de nosso amor?
Lidos agora os versos finais de uma carta antiga já não fazem sentido.
O espelho quebrou-se.
A barreira se ergueu rápida e pesada.
Já não somos como outrora fomos.
E isto é salutar.
Triste dos que permanecem os mesmos.
Tu já não estás. Eu ainda aqui.
O que restou de teu perfume é lembrança doce.
E teus olhos grandes e iluminados já já não me fitam tão de perto, como se fossem os lhos de Deus sobre uma criatura sua.
Sim, era isso o que eu representava, o maior papel de minha vida: ser teu.
O pano caiu. A casa silenciou. Teu corpo se foi. A cama é grande, fria e triste.
Eu, pequeno, calado, assusto-me com cada mínimo ruído.
É a esperança que teima em habitar meu coração.
A espera é infinita.
Enquanto teu caminho é cada dia mais longe de mim, mais distante da casa, inalcançável para meus braços...
O que resta?
O tempo, as paredes, os olhos de Deus, o último aceno, um beijo de despedida, a memória, o nada, o nada, o nada.
O fim. De tudo, de nós, de mim.